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STJ não autoriza mulher a mudar registro civil para nome indígena
22 DE MARçO DE 2023
Prevaleceu no julgamento a divergência inaugurada pelo ministro Raul Araújo por entender que o pedido não encontra amparo legal.
Nesta terça-feira, 21, a 4ª turma do STJ não autorizou mulher a mudar seu nome e sobrenome para o nome indígena Opetahra Nhâmarúri Puri Coroado. Prevaleceu no julgamento a divergência inaugurada pelo ministro Raul Araújo por entender que o pedido não encontra amparo legal.
Entenda
A mulher alegou que foi criada em sua cidade, mas aos 48 anos iniciou aproximação com suas raízes indígenas na região de São Fidélis (local em que seus pais nasceram). Narrou que posteriormente começou a participar de reuniões e manifestações indígenas, momento em que se mudou para a zona rural, fundou uma aldeia, passou a adotar tradições indígenas e tornou-se líder comunitária.
Nesse sentido, a mulher pleiteou alteração de seu registro civil para que passe a constar o nome indígena que se reconhece e é reconhecida pela comunidade.
O pedido foi rejeitado em primeira e segunda instância antes de chegar ao STJ.
Mudança excepcional
O caso começou a ser analisado em junho de 2022, ocasião em que o relator, ministro Luís Felipe Salomão, votou favoravelmente ao pedido da autora, para permitir a mudança excepcional do registro civil, por entender que o princípio da imutabilidade é mitigado quando prevalecer o interesse individual ou social da alteração.
Ao analisar os autos, o ministro destacou que a população indígena tem direito à sua própria identidade, integridade e patrimônio cultural para sua continuidade coletiva e de seus membros. “Os povos indígenas têm direito a que se reconheçam e respeitem todas as suas (i) formas de vida, (ii) cosmo visões, (iii) espiritualidade, (iv) usos e costumes, (v) normas e tradições, (vi) formas de organização sociais, (vii) econômicas e políticas e (viii) formas de transmissão de conhecimento”, pontuou.
Salomão asseverou que o nome civil constitui um símbolo da pessoa no meio social, bem como é um indicativo da ancestralidade do indivíduo. Afirmou, ainda, que apesar de o nome ser protegido pelo princípio da imutabilidade, a Corte tem flexibilizado esta regra, permitindo, assim, a modificação em casos que não houver risco à segurança jurídica e à de terceiros.
“O princípio da imutabilidade é mitigado quando sobressair o interesse individual ou interesse social da alteração.”
No entendimento do ministro, a lei permite que a pessoa autoidentificada como indígena poderá pleitear na Justiça a mudança seu nome para obter o prenome e sobrenome indígena de sua livre escolha.
“Tão conclusão traduz, a meu ver, a máxima efetividade do princípio da promoção da dignidade da pessoa humana que envolve um complexo de direitos e deveres fundamentais de todas as dimensões que protegem o indivíduo de qualquer tratamento degradante ou desumano”, concluiu o relator.
Naquela ocasião, o processo foi suspenso por pedido de vista do ministro Raul Araújo.
Divergência
Já em setembro de 2022, com a devolução da vista, Raul Araújo negou provimento ao recurso da autora sob o fundamento de que o pedido não encontra amparo legal, já que a lei de registros públicos (6.015/73) não permite a exclusão total do nome, com a substituição por outros de livre escolha do interessado.
O ministro destacou, também, que não ficou comprovada a origem de fato indígena e ressaltou que a Corte não tem precedentes autorizando uma mudança tão grande.
“É incontroverso que a pessoa nasceu na cidade e foi criada como não indígena. Esse desejo de substituir totalmente seu nome não encontra amparo no ordenamento jurídico em vigor.”
Durante aquela sessão o caso foi suspenso novamente por pedido de vista, desta vez do ministro Marco Buzzi.
Caminho intermediário
Na sessão de ontem, o processo foi retomado com voto-vista do ministro Buzzi, que inaugurou uma terceira via de entendimento. S. Exa. defendeu que o caso retorne à 1ª instância para que, com a participação da Funai, seja analisada a possibilidade de mudar o nome da autora em razão de seu sentimento de pertencimento à tribo indígena. “O caso concreto demanda maior aprofundamento”, ressaltou.
“Jamais o sentimento de pertinência ou o direito de pessoa sentir-se, comportar-se e nutrir-se da cultura indígenas há de ser negado. Contudo, o fato jurídico apto a gerar direitos por vezes colidentes com a segurança jurídica das relações sociais ou do interesse público envolvido depende de critérios materiais, que precisam ser minimamente definidos e comprovados.”
Buzzi ficou vencido junto com o relator Salomão. A divergência de Raul Araújo foi acompanhada por Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira.
Processo: REsp 1.927.090
Fonte: Migalhas
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