NOTÍCIAS
Real digital e segurança jurídica dos contratos imobiliários – Futuro dos smart contracts no direito brasileiro: realidade ou desafio?
19 DE OUTUBRO DE 2023
Essa transformação digital vem sendo aplicada no âmbito do Direito Imobiliário, de modo que seja considerada a adoção dos smart contracts, bem como do real digital, pois a digitalização desses serviços já é uma realidade, em linha com o processo de desburocratização que a sociedade brasileira e o mundo vêm acompanhando.
As transações financeiras passaram por transformações significativas na última década. Esse fenômeno se deve, em grande parte, às inovações bancárias introduzidas pelo (eco)sistema Pix, que alcançou não somente pessoas físicas de todas as classes sociais no Brasil, mas igualmente de microempreendedores a grandes empresas dos mais variados setores da economia.
Anos atrás, as transferências eletrônicas disponibilizadas por sistemas de Transferência Eletrônica Disponível – TED e Documento de Ordem de Crédito – DOC emergiram como as principais inovações para a movimentação bancária no Brasil. Proporcionaram uma forma rápida e segura de envio e recebimento de dinheiro entre contas bancárias, que aos poucos conquistou a confiança do brasileiro, tornando desnecessários o deslocamento físico a agências bancárias e o uso de cheques. Com isso, ganharam cada vez mais espaço no Sistema Financeiro Nacional. Outro aspecto que contribuiu para a popularidade de TEDs e DOCs foi a segurança resultante da implementação de medidas de criptografia e autenticação próprias, reduzindo consideravelmente os riscos de fraudes e interceptações indevidas.
Contudo, o avanço tecnológico em várias outras áreas do conhecimento e a necessidade de maior rapidez na liquidação dos valores transferidos, considerando as horas (ou dias) gastas no processamento de TEDs e DOCs e principalmente o isolamento social causado pela pandemia da Covid-19, tornaram urgente que os sistemas bancários brasileiro e mundiais mais uma vez se reinventassem. Daí foi apresentado pelo Banco Central do Brasil, em novembro de 20201, o Pix, um sistema de pagamentos mais ágil, prático, instantâneo e disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.
O Pix já estava em desenvolvimento em meados de 2016 por uma equipe de servidores do Bacen, que elaborou um relatório2 a respeito encaminhado ao Bank For International Settlements (Banco de Compensações Internacionais, ou simplesmente BIS, em português). Essa é a mais antiga instituição financeira internacional, tendo sido fundada em 1930 com o objetivo de fomentar a cooperação internacional e auxiliar bancos centrais em todo o mundo.
Ante o caos sanitário vivido pela humanidade com a pandemia, a finalização do projeto teve que ser acelerada e, como era de se esperar, o Pix se tornou o principal meio de pagamentos entre os brasileiros, superando até mesmo o uso do bom e velho cartão3. Em 2018, de acordo com dados da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), as transações financeiras efetuadas por internet banking e dispositivos móveis já superavam com folga os outros meios e canais de atendimento ao cliente.
Mas até onde toda essa praticidade é válida e segura para as pessoas? Como o Direito brasileiro e a justiça têm lidado com a segurança e a validade jurídica dos contratos de alto valor em dinheiro, em especial, os imobiliários?
Como autarquia federal de natureza autônoma e sem interferências políticas e/ou governamentais, o Bacen tem a responsabilidade de garantir um poder de compra saudável para o real e assegurar um Sistema Financeiro Nacional eficiente, sólido e funcional. A Constituição Federal de 1988, lastreada pela ideologia do liberalismo e livre comércio, assegura a autonomia dos grupos locais, que podem adotar seus próprios costumes. Esses costumes, por sua vez, podem tornar-se uma fonte do direito, concretizando o pluralismo de ideias civis, conforme exemplifica o Código Civil de 2002, em seu Capítulo V, que trata dos contratos em geral. As pessoas têm a liberdade de celebrar contratos com quem quiserem, nas condições que quiserem, e o Estado não deve interferir nos contratos, a não ser em casos excepcionais.
Dessa forma, a ciência jurídica deve acompanhar os avanços tecnológicos da sociedade, inclusive no sistema financeiro. Portanto, o direito deve ser flexível e adaptável às mudanças sociais, para que possa atender às necessidades da sociedade de forma justa e eficiente.
Nesse cenário de evolução, surgiram nos últimos anos os smart contracts (contratos inteligentes, em português), completamente eletrônicos, sem necessidade de intervenção humana, utilizando uma ferramenta muito conhecida no mundo das moedas digitais (ou criptomoedas), chamada de blockchain, que permite registrar o objeto do contrato de forma imutável em blocos sequenciais. Conforme define a IBM4, “blockchain é um livro de registros, compartilhado e imutável, que facilita o processo de gravação de transações e rastreamento de ativos em uma rede de negócios. (…) Praticamente qualquer item de valor pode ser rastreado e negociado em uma rede de blockchain, o que reduz os riscos e os custos para todos os envolvidos”. Portanto, os dados assim registrados são imutáveis e rastreáveis.
É fundamental não confundir criptomoeda com CBDC (central bank digital currency, expressão que pode ser traduzida como moeda digital de banco central ou real digital, no cenário brasileiro). O real digital consiste em um projeto do Bacen de emissão do real exatamente como ocorre em papel-moeda, porém de forma digital. Dessa forma, diferentemente do que ocorre com as criptomoedas, terá assegurado o valor de circulação do real físico. Ainda em fase de testes, o real digital terá sua liquidez e a sustentação de seu valor controladas pelo Bacen, viabilizando sua utilização como base para os contratos inteligentes.
Considerando as múltiplas possibilidades de uso dessa inovação, acredita-se que em breve o mercado imobiliário venha a adotá-la. Entretanto, em se tratando de um modelo negocial em ascensão acelerada, mas ainda não completamente conhecido e dominado, a segurança jurídica precisa estar alinhada com regras e práticas de compliance, nos diferentes setores econômicos, a fim de combater falhas operacionais, lavagem de dinheiro e possíveis fraudes e golpes envolvendo os contratos imobiliários.
Adicionalmente, os smart contracts devem estar de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, tanto na segurança de dados específicos, quanto no sigilo bancário. Nesse sentido, precisam mitigar possíveis fraudes, vícios de consentimento, erros e demais ilicitudes. Assim como ocorreu com o Pix, os contratos inteligentes, na condição de ferramentas inovadoras no Direito Civil brasileiro, serão adotados pelas empresas, em especial para gerenciar com maior agilidade áreas de negócios em que haja operações de rotina. Quanto aos contratos imobiliários, embora ainda seja tímida a discussão em torno do uso dos modelos inteligentes, é previsível sua adoção em prazo relativamente curto, haja vista a transformação que está ocorrendo com a digitalização dos Cartórios de Registro de Imóveis, através da lei no 14.382/22 publicada em 27 de junho de 20225, resultado da Medida Provisória 1085/21, que dispõe sobre a obrigatoriedade de que os mais de 13 mil cartórios existentes no Brasil adotem um sistema online unificado, eletrônico e/ou digitalizado, para registro e armazenamento dos seus acervos, inclusive, os imobiliários.
Portanto, essa transformação digital também vem sendo aplicada no âmbito do Direito Imobiliário, de modo que seja considerada a adoção dos smart contracts, bem como do real digital, pois a digitalização desses serviços já é uma realidade, em linha com o processo de desburocratização que a sociedade brasileira e o mundo vêm acompanhando.
——————–
1 Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/pix
2 Disponível em: https://www.bis.org/cpmi/publ/d154.pdf
3 Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/pix-supera-cartoes-e-se-consolida-como-principal-meio-de-pagamento
4 Disponível em: https://www.ibm.com/br-pt/topics/blockchain
5 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/L14382.htm
Fonte: Migalhas
Outras Notícias
Anoreg RS
No dia 7/5, Migalhas realiza com o apoio institucional do IBDCONT, o seminário online “A Reforma do Código Civil”
02 de maio de 2024
A Reforma do Código Civil Evento online - 7/5 terça-feira 9h às 12h30
Anoreg RS
Artigo – Provimento nº 161 do CNJ fortalece sistema de prevenção e combate a crimes financeiros
02 de maio de 2024
A partir de 2 de maio de 2024, passa a vigorar o Provimento nº 161, que altera o Código Nacional de Normas da...
Anoreg RS
Decisão que equiparou as uniões estáveis homoafetivas às uniões estáveis heteroafetivas completa 13 anos
02 de maio de 2024
No ano em que se celebra 13 anos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal – STF, no julgamento conjunto...
Anoreg RS
Entra em vigor provimento da Corregedoria que qualifica comunicações ao Coaf
02 de maio de 2024
O Provimento n. 161/2024, que altera o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro...
Anoreg RS
Em um mês, mais de 4 mil pessoas registraram em cartório desejo de doar órgãos
02 de maio de 2024
A cada lembrança da época em que enfrentou uma séria doença no coração, os olhos de Osmar Caetano dos Anjos,...