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Migalhas – Artigo: SERP – havia uma pedra no caminho – Por Sérgio Jacomino
09 DE JANEIRO DE 2023
O Congresso Nacional acabou por derrubar alguns vetos de dispositivos da Lei 14.382/2022. Entre outros, já apontados e comentados1, gostaria de chamar a atenção, especificamente, para a derrubada do veto ao seguinte dispositivo da Lei:
“Art. 6º Os oficiais dos registros públicos, quando cabível, receberão dos interessados, por meio do Serp, os extratos eletrônicos para registro ou averbação de fatos, de atos e de negócios jurídicos, nos termos do inciso VIII do caput do art. 7º desta Lei.
- 1º ……………………………………………………………………………………………………………….
III – os extratos eletrônicos relativos a bens imóveis deverão, obrigatoriamente, ser acompanhados do arquivamento da íntegra do instrumento contratual, em cópia simples, exceto se apresentados por tabelião de notas, hipótese em que este arquivará o instrumento contratual em pasta própria”.
O inciso foi promulgado, nos termos do § 5º do art. 66 da Constituição Federal, e se acha agora em pleno vigor.
Geleia geral notarial e registral
Já havia me dedicado ao tema aziago da substituição dos títulos, em sentido material e formal, por meras notícias digitais (notes), afeiçoadas a sistemas de registração alienígenas. Sobre a substituição paradigmática do sistema de registro de direitos pelo de registração por mera indicação, remeto o leitor aos argumentos já expendidos anteriormente2. A derrubada do veto introduz um novo elemento que haverá de render algumas discussões, razão pela qual retorno ao tema.
O notário ganhou uma atribuição heterodoxa: arquivamento de instrumentos particulares em suas “pastas próprias”, seja lá o que isto queira significar em tempos de digitalização. O tabelião de notas possivelmente concorrerá com o SERP neste mister, a fiar-se no disposto no inc. VIII do art. 3º da Lei 14.382/2022, alçados, ambos, a uma espécie de ente para-registral3.
Entretanto, o notário ganha uma atribuição ainda mais inusitada: recebido o instrumento e arquivado em suas “pastas próprias”, dele expedirá (ou concertará) o extrato, que se torna, assim, uma espécie de traslado do documento por ele arquivado. De outra forma, terá sentido que receba o instrumento, arquivando-o em suas pastas, e acate o extrato elaborado por terceiros? Como estará seguro de que este não se acha em descompasso com o instrumento contratual?
Instaurou-se a geleia geral nas notas e registros! Analisando o quadro legal, não deixo de me lembrar dos velhos extratos do século XIX. Constatem a simetria encontrada entre a moderna Lei 14.382/2022 e o vetusto Decreto 3.453, de 26/4/1865:
Art. 53. A pessoa, que requerer a inscrição ou transcrição de qualquer título, deverá apresentar ao oficial do registro:
- 1º O título.
- 2º O extrato do mesmo título em duplicata, contendo todos os requisitos que para inscrição e transcrição este regulamento exige, e pela mesma ordem, em que são exigidos. Estes extratos serão assinados pela parte ou por seu advogado ou procurador.
O regulamento de 1865 ainda cravava que um dos principais deveres dos oficiais do registro seria justamente a “conferência dos extratos entre si e com o título” (§ 2º do art. 98).
Esta ideia da extratação foi abandonada ainda no século XIX por se tratar de “uma perfeita inutilidade”, consoante Lafayette4. Um pouco mais tarde, Lacerda de Almeida averbaria que os extratos eram “uma adaptação servil e inútil do sistema de registro francês”5. Hoje diríamos, “adaptação servil (e imperita) do sistema norte-americano”…
Ironias à parte, é preciso reconhecer que novos extratos foram concebidos no passado recente para que pudéssemos enfrentar, de modo rápido e eficiente, as demandas da sociedade digital. Era preciso informatizar os processos de encaminhamento de títulos a registro, criando uma infovia registral. Os novos extratos representaram, assim, uma solução inteligente e adequada às necessidades do crédito imobiliário. Para sua regulamentação e adoção foram buscados fundamentos na legislação hipotecária e naquelas em que ocorre a previsão de contratação imobiliária estereotipada – nos típicos contratos de adesão6. As inovações igualmente figuraram na especificação do SREI – Sistema de Registro de Imóveis eletrônico7 e a sua execução, no Estado de São Paulo, foi posta em prática no período de 2012-20138, na gestão do desembargador José Renato Nalini.
A ideia era espraiar o modelo para todo o Brasil. Entre outros objetivos, esta foi razão pela qual se criou o ONR – Operador Nacional do Registro de Imóveis eletrônico. Buscávamos dotar o sistema registral imobiliário de novas ferramentas tecnológicas, mudanças estas que suscitaram grandes resistências, como se sabe.
A regulamentação dos extratos repousava em bons precedentes e fundamentos legais e foi objeto de prova de conceito (POC) do SREI, levada a efeito pelo NEAR-lab – Laboratório do Núcleo de Estudos Avançados do Registro de Imóveis eletrônico9.
Em vista do que se construiu no passado, legado do qual muitos de nós nos orgulhamos, não se pode presumir que sejamos avessos à ideia do extrato em si mesmo considerado. O problema é sua defectiva consagração nesta lei, cuja aplicação e regulamentação advinha-se tormentosa.
Voltando à vaca fria, a redação original do art. 194 da LRP era clara o suficiente e sua aplicação provada pela experiência de muitas décadas. Alterou-se para pior. Os títulos físicos, uma vez digitalizados (e devolvidos às partes), serão arquivados em repositórios eletrônicos de difícil gestão e conservação (aliás, não regulamentados10). Teremos em cartório meros representantes digitais divorciados de sua fonte primária original. Por outro lado, se o instrumento (“cópia simples”) vier encapsulado em arquivos eletrônicos, o que se fará? Não há previsão de arquivamento de instrumentos eletrônicos (sejam digitalizados ou natodigitais) no Registro de Imóveis, consoante a LRP (art. 194). Caso o interessado queira uma certidão do instrumento registrado, a quem deverá solicitar a sua expedição? Ao Registro de Imóveis da circunscrição correspondente (arg. do art. 18, in fine, c.c. inc. III do art. 6º da Lei 14.382/2022)? Ou tal título remanescerá em repositórios eletrônicos administrados pelo SERP (inc. VIII do art. 3º da Lei 14.382/2022)? Nesse caso, O próprio SERP, a máquina ou um técnico contratado, expedirá a certidão de documento arquivado nesta espécie de “entidade registradora”? Ou o título remanescerá nas “pastas próprias” dos notários, de cuja fonte extrairão a certidão? Ou em cada um destes repositórios? Por fim, ad absurdum, poderia ser o próprio interessado que terá atestado que o “conteúdo corresponde ao original firmado pelas partes”? Ora, tendo autenticado o instrumento na entrada, por que não poderá fazê-lo a qualquer tempo? Quem expedirá a certidão, ministrando-lhe os efeitos jurídicos de eficácia que dimana da fé pública notarial e registral? De quem será a responsabilidade pela recepção, gestão, ordem e conservação de tais documentos?
No cenário criado por esta lei, respondam-me sinceramente: que diferença faz que estes depósitos de dados se façam em entes como o SERP ou em blockchain, ou mesmo que se “tokenisem” a propriedade, ou a garantia real? Esses dados remanescerão gravados, perene e indelevelmente, nas cadeias on chain das novas serpes digitais… Considerando-se que o valor probatório dos instrumentos particulares, performado ex ante (prova pré-constituída e notarizada, dotado de força orgânica, “motor da ação”11), se esvai progressivamente do sistema e a qualificação registral se degrada (l. “a”, inc. I, art. 6º), que diferença essencial pode haver? A situação jurídica se estabilizará ex post na via jurisdicional? Como sustentar a preponderância da segurança jurídica preventiva em face da eminente segurança econômica e tecnológica que desponta se, ao final e ao cabo, deflagrado um litígio acerca da contratação e de seus efeitos revérberos, tudo se resumirá à produção de provas em juízo (art. 369 do CPC)?
Não se deve esquecer de que a presunção do registro foi construída ao longo de mais de uma centúria na relação intrínseca e direta que se estabeleceu entre o registro e a titulação notarial ou de instrumentos particulares notarizados (instrumentos particulares com firmas reconhecidas – inc. II do art. 221 da LRP c.c. inc. I do art. 411 do CPC).
Um sistema digital baseado na recepção e emissão de dados não autenticados (“cópias simples”) gera facilmente o fenômeno GIGO – garbage in – garbage out (lixo entra, lixo sai).
Insegurança jurídica entra – insegurança jurídica sai.
O instrumento particular registrável agora é qualificado pela lei como mera “cópia simples”, presumivelmente um singelo PDF, despojado de seu envoltório jurídico (vestido formal, prova pré-constituída, motor da ação etc.), “acompanhado de declaração, assinada eletronicamente, de que seu conteúdo corresponde ao original firmado pelas partes” (§ 4º do art. 6º). “Declaração” firmada por quem, cara-pálida? Pelo apresentante, por analogado do §2º do art. 130 da LRP12? Por procuradores? A lei não diz, mas faz presumir que seja o “interessado” que assume esta responsabilidade autenticadora no caso do Registro de Imóveis, legitimando o acesso do título à tábua registral (arg. do art. 6º, caput, da Lei 14.382/2022). Acha-se restaurado entre nós o princípio de rogação ou instância (inc. II do art. 13 da LRP)? E aí se pergunta: o quê do famoso artigo 217 da LRP? Quem haverá de qualificar o legítimo interesse do apresentante no envio de extratos via SERP? Remanescerá a dita disposição como mero arcaísmo na lei – a exemplo dos igualmente famosos extratos (art. 193 da LRP)13?
A resposta a questões como as aqui agitadas nos será dada pela regulamentação a cargo da CN-CNJ. O órgão deverá regulamentar “os padrões tecnológicos de escrituração, indexação, publicidade, segurança, redundância e conservação de atos registrais, de recepção e comprovação da autoria e da integridade de documentos em formato eletrônico, a serem atendidos pelo Serp e pelas serventias dos registros públicos, observada a legislação”(inc. III do art. 7º da Lei 14.382/2022).
Nesta altura, o exegeta deve estar se perguntando: afinal, o registro será feito pelo extrato ou pela “cópia simples” do instrumento encaminhada ao SERP? Ou por ambos? A cópia será assinada eletronicamente? E o extrato? Por quem? Assinatura eletrônica avançada ou qualificada14? A representação dos contratantes, quando calhar, será qualificada pelo notário ou pelo registrador? Ou somente o envio da “cópia simples” será autenticado?
Vejamos no detalhe. Com a derrubada do veto, o inc. III, § 1º, do art. 6º se ilumina pelo § 4º do art. 6º, que reza:
- 4º O instrumento contratual a que se referem os incisos II e III do § 1º deste artigo será apresentado por meio de documento eletrônico ou digitalizado, nos termos do inciso VIII do caput do art. 3º desta Lei, acompanhado de declaração, assinada eletronicamente, de que seu conteúdo corresponde ao original firmado pelas partes.
O registrador deverá receber os extratos “acompanhados do arquivamento da íntegra do instrumento contratual, em cópia simples” em forma eletrônica, diz a lei. Já o inc. VIII do art. 3º da Lei 14.382/2022 reza que o SERP terá a função de “armazenamento de documentos eletrônicos para dar suporte aos atos registrais”. O SERP encaminhará o instrumento (“cópia simples”) pareado com o extrato ao Registro de Imóveis? Aparentemente, a resposta é positiva, a teor do dispositivo ressuscitado. Nesse caso, então, por que a referência contida no § 4º do art. 6º – “nos termos do inciso VIII do caput do art. 3º desta Lei”? São disposições de certo modo despiciendas e já se achavam no texto antes do veto.
Todo o articulado é confuso, emaranhado, macarrônico, disfuncional. Quando se diz que o oficial “qualificará o título pelos elementos, pelas cláusulas e pelas condições constantes do extrato eletrônico”15 (item § 1º do art. 6º), somos levados à conclusão de que são coisas distintas – extrato e título. E são mesmo! Com a derrubada do veto, a distinção e a função de ambos se tornaram nítidas (ou mais obscuras, dependendo da perspectiva). Reitera-se a pergunta feita acima: o registro se fará pelo extrato ou pelo instrumento? Ou por ambos.
Parece razoável e lógico que deva haver uma íntima congruência entre o título e o extrato. Sabemos que o instrumento contratual deverá obrigatoriamente ser arquivado no Registro de Imóveis competente (ou no tabelionato de livre escolha do interessado). Entram em cena, novamente, os repositórios de caráter público – tabelionatos e registros imobiliários. Pergunta-se: o tabelião, ou o registrador, ao qualificar o título, “pelos elementos, pelas cláusulas e pelas condições constantes do extrato eletrônico”, devem denegar o acesso quando não sejam congruentes entre si? Caso contrário, como expedir certidão de um instrumento que pode não ser o mesmo que foi efetivamente inscrito? Erigiu-se uma “esquizo-titulação”. O que é título, para efeitos da lei civil e registral? Barafunda imensa, esta que foi criada…
Por outro lado, não se argumente que a lei sancionou a faculdade de o requerente, a seu alvedrio, “solicitar o arquivamento da íntegra do instrumento contratual que deu origem ao extrato eletrônico”. O dispositivo que franqueia o exercício dessa faculdade se refere exclusivamente a instrumentos que tenham por objeto bens móveis (inc. II do art. 6º), não imóveis. Aqui não calha qualquer tipo de analogia, especialmente porque a própria lei distingue claramente as duas hipóteses no mesmo quadrante (inc. III), com o destaque do advérbio – obrigatoriamente. A natureza e os efeitos dos contratos são distintos e calham em registros públicos diversos (RTD e RI), malgrado o fato da conhecida intentona de consumação da geleia geral registral.
Calha aqui uma nótula de frustração e de certo desapontamento. Sempre sustentamos que quem deveria gerar o extrato a partir de todo e qualquer instrumento apresentado a registro, fosse público ou privado, deveria ser o próprio registrador, com uso e apoio de novas tecnologias da informação e comunicação -machine learning, inteligência artificial, algoritmos especializados etc.16 De certo modo, sempre foi assim e o é até hoje: o registrador desempenha uma função criativa, no sentido de que é ele, o registrador, que extrai do título os elementos de transcendência real e conforma o ato de registro. Capacitação econômica e técnica, portanto, jamais nos faltaram.
O que a lei fez foi simplesmente trasladar atribuições, tão nobres, dignas, tradicionais, próprias de um jurista, para terceiros. Não se deve iludir, sempre haverá quem promova uma diligência preventiva de litígios (due diligence) nas vésperas de qualquer contratação que tenha por objeto bens imobiliários e mobiliários sujeitos a registro e à publicidade jurídica. E nem por isso se dirá que tal atividade seja custosa e burocrática…
A infovia notarial
Diz o dispositivo que os extratos poderão ser apresentados por tabeliães de notas, “hipótese em que este arquivará o instrumento contratual em pasta própria”. Voltamos às questões: os interessados encaminharão – instrumento e extrato – já elaborados ao tabelião? Ou serão eles próprios, os notários, que elaborarão um heterodoxo “traslado por extrato” dos instrumentos contratuais (originais ou “cópias simples”)? Que tipo de autenticação promoverão os nossos notários? Darão certidão ou tirarão traslados? Farão a concertação, como se fazia com as públicas-formas? Ou será, ainda, que, pela via notarial, os próprios instrumentos originais devam ser apresentados aos tabeliães, sujeitando-os à qualificação notarial? Daí se lavrará um ato notarial de entrega do instrumento contratual e arquivamento, autenticando-se, ato contínuo, o extrato? Tudo se fará sob sua estrita responsabilidade? Eles encaminharão o extrato diretamente aos registradores pela plataforma digital dos próprios notários? Ou pelo SERP? Os instrumentos remanescerão no SERP ou na plataforma do e-Notariado? Ou em novos repositórios criados nas serventias imobiliárias? Percebem que, longe de facilitar e racionalizar o processo de registro, criamos vários hubs que representam, na prática, nódulos informacionais que tendem a ser expelidos do circuito por redundância?
Quando a lei diz que será arquivado o “instrumento contratual em pasta própria” não nos parece crível que se possa arquivar meras cópias, cujo valor probante é consabidamente escasso, especialmente nos casos de criação, alteração e extinção de direitos reais. É uma espécie de capitis diminutio da função notarial e registral. Se requerida a certidão, far-se-á uma cópia de cópia? Ora, o representante digital não se confunde com o seu original. Nem mesmo o registrador deveria albergar cópias totalmente carentes de autenticação (i. e. definição de autoria das partes e não só do apresentante)17. Garbage in – garbage out.
O que se buscou com a lei seria factível se a reforma promovesse um ecossistema registral homogêneo e inteiramente coerente com as tradições do direito civil pátrio, mas isto infelizmente não aconteceu. Ao assimilar os modelos de registro de garantias alienígenas18, postamo-nos com os pés fincados em duas canoas. Como disse alhures, incrustaram-se flores de plástico num jardim tropical, importando elementos de direito estranhos à nossa tradição, enxertando-os, a fórceps, na ordem civil19. O quadro se revela inçado de acidentes rebarbativos, representando imensas dificuldades hermenêuticas.
Questão lateral: instrumentos particulares extratados por tabeliães
Uma questão lateral se revela de modo inesperado: o notário poderá receber qualquer instrumento particular quando não for obrigatória a escritura pública?20 Poderão recepcionar o instrumento particular, autenticar o extrato e encaminhá-lo ao Registro de Imóveis? Será possível conjugar o disposto no art. 6º da Lei 14.382/2022 com o artigo 1.417 do CC21?
Notem que não há restrição alguma no caput do art. 6º. “Quando cabível”, diz a lei, “os oficiais receberão dos interessados, por meio do SERP, os extratos eletrônicos para registro ou averbação”. Calha perguntar: extratos de todo e qualquer instrumento particular? A lei legitimaria qualquer “interessado” a apresentar seus instrumentos particulares, bastando provar o interesse na prática do ato de registro?
Espera-se que a Corregedoria Nacional regulamente precisamente as hipóteses em que seja “cabível” o uso dos extratos, nos termos do inc. VIII do art. 7º da Lei 14.382/2022. Poderá levar em consideração a experiência provada no Estado de São Paulo, delimitando, claramente, o âmbito de sua ocorrência22.
SERP – um fruto serôdio
O fato é que, depois de uma tramitação acidentada da MP 1.085/2021, com 667 emendas rejeitadas e 15 aprovadas pelo relator na tramitação da matéria23, ficou patente que as reformas eram precipitadas e açodadas e tiveram que ser aprovadas ao cair da noite, com base num “relatório relâmpago” do Deputado Isnaldo Bulhões. Tudo a confirmar a péssima impressão que ficou de toda essa iniciativa24.
Convertida a MP 1.085/2021 na Lei 14.382/2022, vemos que pouco mudou nos cartórios brasileiros. A remansosa tramitação dos títulos segue sua indolente procissão formalista, sem atalhos nem ganhos de produtividade. Há boas iniciativas, é claro, especialmente aquelas que já se achavam consagradas na experiência exitosa da regulamentação feita em São Paulo. Nesse sentido, é preciso reconhecer que nada há de novo no front. Isto é, nada de bom que já antes não havia.
Estranho e cruel paradoxo! Lembra-nos de Lampedusa, que registrou que “tudo deve mudar para que tudo fique como está”. Em tempos de slogans e narrativas, criou-se uma ilusão de eficiência e modernidade que há de se revelar, pouco a pouco, mera ilusão. Nesse sentido, a reforma pode ser considerada reacionária, um grande retrocesso para os negócios, para o crédito imobiliário, para a sociedade e para os próprios registradores.
Entretanto, sempre restam esperanças…
Os mais despertos sabiam que a solução dos graves problemas do Registro Imobiliário não se achava na potencialização dos ramais de acesso aos cartórios (SERP, centrais estaduais, entidades registradoras etc.). O nó górdio se achava posto no interior de cada serventia, na modelagem e efetivação do que se chamou de SC (Sistema de Cartório), como desenvolvido na especificação e prova de conceito do SREI-ONR, elaboradas e provadas ao longo de mais de uma década. A este desafio de desenvolver o SC nos dedicamos no ONR – Operador Nacional de Registro de Imóveis.
Este velho registrador não espera que a regulamentação possa promover o milagre da multiplicação da rapidez e eficiência do processo registral, prometida e infelizmente não entregue. Ela virá de setores orgânicos da própria categoria, não de técnicos e profissionais alheios ao mister registral25.
Finalizo enfatizando que os registradores brasileiros devem ter os olhos postos no futuro. Contudo, devem assentar as mudanças nas bases e alicerces da larga tradição da instituição registral brasileira, acolhida no seio da ordem jurídica pátria. A assimilação de novas tecnologias, e seu emprego racional ao longo do tempo, já nos deu bom testemunho a própria história do Registro de Imóveis nacional. Assim foi no passado; assim há de ser no futuro. Que os próprios registradores – e não outros profissionais do direito – possam propor e efetivar as mudanças, tomando as rédeas das grandes transformações que a sociedade contemporânea espera de suas instituições jurídicas.
*Sérgio Jacomino quinto oficial de Registro de Imóveis da Capital de São Paulo, presidente do NEAR – Núcleo de Estudos Avançados do SREI, ex-presidente do Instituto de Registro Imobiliário do Brasil (IRIB) nos anos 2002/2004, 2005/2006, 2017/2018 e 2019/2020, doutor em Direito Civil pela UNESP (2005) e especialista em Direito Registral Imobiliário pela Universidade de Córdoba, Espanha. Membro honorário do CeNoR – Centro de Estudos Notariais e Registais da Universidade de Coimbra.
Fonte: Migalhas
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