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Artigo – Parto em segredo: Um procedimento aprimorado pela resolução 485/2023 do CNJ – Por Patrícia Lichs Cunha Silva de Almeida E Izaías G. Ferro Júnior
15 DE MARçO DE 2023
O Conselho Nacional de Justiça, CNJ, editou a resolução 485, em 18 de janeiro de 2023[1], ao dispor sobre o adequado atendimento de gestante ou parturiente que manifeste desejo de entregar o filho para adoção em observância ao princípio da proteção integral da criança. A normativa nos remete ao instituto da adoção e ao acurado dever de proteção ao recém-nato[2]; todavia, em que pese todo o devido resguardo, o que se questiona é o conflito principiológico e a produção dos efeitos registrais do ato na esfera do registro civil das pessoas naturais.
Consigna-se, em relação a temática do “Parto em segredo”, o debate insurge pontuais conflitos de direitos que perpassam julgamentos éticos. De um lado, tem-se o estabelecimento de um procedimento, alicerçado nos parâmetros de amparo e solidariedade, em atenção as necessidades primordiais de mantença a dignidade e, em especial, ao fraterno atendimento, destinados a acolher a gestante no momento, atenção que se desdobra do pré-natal até do nascimento; por outro lado, em respeito ao lastro de princípios que albergam a proteção à criança, ao resguardo do melhor interesse do infante e, mormente, ao direito à vida, à família e a garantia ao pleno desenvolvimento humano, por si só, esse aparente conflito de interesses, tem sido questionado, embora toda a razoabilidade e proporcionalidade da medida sugerida pela normativa.
Em atenção a situação em exame, a questão abarca expressiva constatação acerca dos dados estatísticos do instituto da adoção no país. Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça, através do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), implantado em 2019, dados acerca do número de crianças e adolescentes aptos as adoções e o número de pretendentes legalmente habilitados junto ao sistema judiciário nacional, no ano de 2020, são divergentes, isto é, encontravam-se 33.091 pretendentes adotantes, para um universo de 4.046 crianças e adolescentes disponíveis à adoção.[3]
Por conseguinte, apesar dessa diferença e considerando a demanda pela adoção depende de regular processo judicial, ainda assim, existe o latente problema no que se refere ao número de crianças recém nascidas abandonadas nas ruas ao nascer. Esse aumento de casos, tem chamado atenção das autoridades judiciárias, pois o ato de abandono configura crime, ao invés de incentivo ao procedimento de adoção consciente das mães que, por diversas razões, não desejam exercer o vínculo materno ou perderam o vínculo com o genitor do bebê.
A seu turno e diante a realidade, em conformidade como Estatuto da Criança e do Adolescente e a Constituição Federal, com efeito surge a Resolução n° 485/2023, destinada a regularização da latente situação do abandono no país e estímulo a entrega a adoção consciente e legalizada, configurando mais uma alternativa para a tutela e proteção do neonato desamparado, contribuindo a redução social de abandono, índice que nosso país carrega frente a outras nações.
Dos Direitos Fundamentais da Parturiente e do recém-nato.
A proteção ao parto e a proteção da parturiente são direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal, pelas leis[4] e mesmo normas internacionais de direitos humanos[5]. As premissas que fundamentam essas proteções incluem:
- Direito à vida e à saúde: toda pessoa tem direito a um padrão de vida adequado que assegure a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais necessários. Durante o parto, é fundamental garantir que a vida e a saúde da mãe e do bebê sejam protegidas.
- Direito à integridade física e psicológica: todas as pessoas têm o direito de serem protegidas contra qualquer forma de violência, tortura ou tratamento cruel, desumano ou degradante. Durante o parto, a integridade física e psicológica da parturiente deve ser respeitada e protegida.
- Direito à igualdade: todas as pessoas têm o direito de serem tratadas com igualdade perante a lei e ter acesso a oportunidades iguais, sem discriminação de qualquer tipo. Durante o parto, as mulheres devem ter acesso a serviços de qualidade independentemente de sua origem étnica, idade, orientação sexual, identidade de gênero ou qualquer outra característica pessoal.
- Direito à privacidade: toda pessoa tem direito à privacidade e à proteção contra a interferência em sua vida privada, família, lar e correspondência. Durante o parto, a parturiente tem o direito de ter sua privacidade respeitada e de receber atendimento em um ambiente que respeite a sua intimidade.
- Direito à informação e ao consentimento informado: toda pessoa tem o direito de ser informada sobre os procedimentos médicos que serão realizados e de dar ou não o seu consentimento para esses procedimentos. Durante o parto, a parturiente tem o direito de receber informações claras e precisas sobre os procedimentos que serão realizados e de dar ou não o seu consentimento para esses procedimentos.
Ou seja, a proteção ao parto e a proteção da parturiente são direitos fundamentais que devem ser respeitados e garantidos pelos sistemas de saúde e pela sociedade em geral. Essas proteções estão fundamentadas em premissas como o direito à vida, à integridade física e psicológica, à igualdade, à privacidade, à informação e ao consentimento informado.
O que é o Parto em Segredo?
Parto em segredo (díspares aos Projetos de Lei[6] que instituiriam o Parto Anônimo, menção aos projetos de lei 2.747/2008, 2.834/2008 e 3.220/2008 todos da Câmara dos Deputado) ou erroneamente chamado de parto com abandono, dentre várias nomenclaturas utilizadas, inexiste uma definição legal exata e precisa, contudo, o termo jurídico escolhido pelos autores como “Parto em Segredo”, no remete a possibilidade de uma mulher dar à luz em alguma unidade de saúde pública ou privada, sendo a identificação da parturiente ser ou não conhecida. Caso deseje o anonimato com a garantia de que nunca será revelada sem o seu consentimento, justifica o nome escolhidos pelos autores, como “Parto em Segredo”. Entretanto, nos termos da norma há a possibilidade de a mãe ter sua identificação registrada e com posterior adoção do recém-nato, sendo o caso de adoção pelas vias já conhecidas no direito.
Qual é o procedimento de assistência à maternidade?
Na prática, à chegada à maternidade, após comunicar à equipa médica a sua vontade de dar à luz em segredo, sendo uma garantia de inexistência de sanção penal, civil ou administrativa, nem efetuada qualquer investigação neste sentido[7]. A pedido, ou com o seu consentimento, a mulher pode se beneficiar de apoio psicológico e social do serviço de assistência à infância[8].
A preservação do sigilo do seu internamento e da sua identidade por parte do estabelecimento privados ou públicos de saúde, rege-se pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. O consolidado Estatuto, bem como a novel Resolução 485/2023, ambos especificam que lhe seja entregue a informação sobre as consequências jurídicas deste pedido e a importância de resguardo aos dados biológicos do indivíduo.
A discussão sobre o conhecimento da filiação genética em nossa doutrina e jurisprudência é pacífica e o Estatuto da Criança e Adolescente[9] trouxe proteção neste aspecto de segurança jurídica e social, ao salvaguardar os direitos fundamentais da criança.
Qual é o procedimento de acompanhamento da gestante?
Há que se analisar algumas situações em específico.
Se a parturiente for acompanhada sob sua identidade durante a gravidez e depois decidir dar à luz anonimamente, deverá ser criado um arquivo anônimo, seguido de um nome real ou fictício da criança, ou mesmo se esta não escolher, a equipe médica poderá fazê-lo. Os resultados de exames biológicos e dados médicos são coletados e anonimizados.
Caso a parturiente não for acompanhada durante a gravidez no estabelecimento hospitalar, um procedimento anônimo é criado no mesmo princípio durante a admissão. Seja qual for a situação, a admissão administrativa deveria permanecer anônima.
Há a possibilidade de a parturiente não querer se identificar, entretanto, deve ser incentivada a deixar sua identidade em sigilo com os dados de contato de uma pessoa a ser notificada (em caso de complicações no parto ou óbito)[10].
A identidade da parturiente é colocada confidencialmente junto ao Serviço de Assistência Social e confiada a um funcionário designado (Assistente Social) que deverá depositar tal informação em arquivo seguro do estabelecimento hospitalar. Tais informações poderão ser confiadas ao Serviço de Assistência Social em um envelope QUE poderá ser entregue à mãe quando ela receber alta hospitalar, se ela requisitar.
Da mesma forma, para garantir o direito da criança a conhecer a sua origem, a mãe é convidada a deixar, se assim o entender, informações sobre a sua saúde e a do pai, a origem da criança e as circunstâncias do nascimento e, sua identidade, bem como uma carta ou objeto destinado a seu filho principalmente em caso de parto de alto risco.
Ela pode nesta carta indicar à criança os motivos que motivaram sua decisão, sendo os mais frequentes a ausência do pai biológico, dificuldades financeiras, idade muito jovem, medo da rejeição familiar, e somado a todos esses problemas, a descoberta tardia de gravidez. Estas formalidades são efetuadas, a cargo da Assistência Social, pelas pessoas designadas pelo magistrado, ou na sua falta, pelos gestores da unidade de saúde.
O segredo pode ser levantado?
É possível que a mãe, que desejou manter o anonimato durante o parto, realize futuras diligências no que se refere a declaração de levantamento do segredo. Nesse ponto, a parturiente pode manifestar à assistência social o consentimento ao levantamento do sigilo sobre sua identidade pessoal e informações sobre o nascimento, de acordo com determinadas circunstâncias previstas em lei.
O segredo do nascimento se refere ao direito da mãe biológica de manter o anonimato sobre sua identidade no momento do parto e da entrega da criança para adoção, resguardando o direito fundamental a privacidade e a intimidade.
Além disso, em algumas situações excepcionais, como em casos de necessidade de informações sobre a saúde do adotado ou de questões de ordem jurídica, é possível que o juiz autorize o levantamento do segredo de justiça do processo de adoção e permita o acesso a informações sobre os dados da mãe biológica. Porém, é importante ressaltar que o levantamento do segredo do nascimento deve ser realizado de forma responsável e respeitosa, levando em consideração os interesses e direitos da mãe biológica e do adotado. É fundamental, também, que sejam adotadas todas as medidas necessárias para preservar o sigilo quando solicitado e garantir a proteção dos dados dos envolvidos.
A mãe pode reconsiderar sua decisão?
A mãe poderia reconsiderar sua decisão, através de procedimento judicial para saber o paradeiro da criança, não dispondo de prazo legal para tanto. O ato de adoção, por sua natureza irretratável, não poderia ser revisto; contudo toda questão pertinente a filiação genética, nas devidas proporções (linhagem parental e ascendente), seguem resguardas caso fossem necessárias.
A quem é confiada a criança ao nascer?
Diferente do parto anônimo previsto em Projetos de Lei não aceitos pela Comissão de Constituição e Justiça do Congresso Nacional, na adoção regulamentada pela Resolução 485/2023, do CNJ, ao nascer, a criança é confiada aos cuidados da mãe ou de outro responsável legal que assuma a guarda provisória da criança, como o pai ou outro familiar.
Caso a mãe biológica não possa ou não queira assumir a guarda da criança, ela pode optar por entregá-la para adoção, após cumpridas as formalidades legais previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Insta ressaltar, mesmo após a entrega da criança para adoção, a mãe biológica continua sendo a titular dos direitos e deveres decorrentes da filiação, como o direito de receber informações sobre o desenvolvimento da criança e de ser informada sobre sua localização, desde que não prejudique o interesse superior da criança e respeite o sigilo necessário.
A mãe pode levar o filho de volta depois? Ou seja, a mãe pode tentar cancelar a adoção?
Em tese, antes do procedimento de entrega a adoção, poderia concretizar a desistência. Contudo, após o período entrega a família adotante, não. Somente uma ação judicial poderá permitir que a mãe biológica receba seu filho de volta, note-se, antes do procedimento finalístico da adoção. A possibilidade de revogação da adoção, portanto, depende do estágio em que se encontra o processo judicial de adoção e do cumprimento das formalidades legais.
No Brasil, o processo de adoção é regido ECA, estabelecendo normas específicas sobre o tema. Uma vez que a adoção é decretada pelo juiz e o processo é finalizado, a revogação não é permitida, exceto em situações excepcionais previstas na lei, como no caso de vício de consentimento ou de comprovada má-fé dos adotantes. Porém, durante o processo de adoção, a mãe biológica pode mudar de ideia e decidir que não quer mais entregar seu filho para adoção. Nesse caso, ela pode desistir da adoção e retomar a guarda do filho, desde que a desistência seja manifestada antes da sentença de adoção e aceito no procedimento judicial.
Relevante destacar, a revogação da adoção ou a desistência do processo de adoção são situações complexas que envolvem muitas questões emocionais e legais. É fundamental que a mãe biológica conte com o apoio de profissionais capacitados e de serviços de assistência social para avaliar a melhor decisão para a criança e para sua própria vida. Além disso, é importante que todas as formalidades legais sejam cumpridas para evitar que a criança fique em situação de vulnerabilidade ou de limbo jurídico.
Como a criança pode encontrar seus pais biológicos?
O adotado tem o direito de buscar informações sobre sua origem e seus pais biológicos. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante o direito do adotado a ter acesso à sua identidade biológica, à história pessoal e familiar e às informações sobre sua adoção, desde que respeitados os direitos da mãe biológica e a preservação do sigilo necessário.
Para isso, existem algumas possibilidades de busca pelas informações. Uma delas é a busca pela Vara da Infância e Juventude onde foi processado o procedimento de adoção, solicitando o acesso a informações sobre a mãe biológica, como nome e endereço, para a Vara responsável pelo processo de adoção. A chamada Lei de Adoção (lei 12.010/2009) garante o sigilo das informações sobre a mãe biológica, mas em alguns casos excepcionais, o juiz pode autorizar o referido acesso, garantindo a aproximação do indivíduo, o conhecimento com sua família biológica.
Outra possibilidade é a busca por meio de bancos de dados de informações genéticas e familiares. No Brasil, existe o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), que é um sistema informatizado mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que reúne informações sobre crianças e adolescentes em processo de adoção e sobre pretendentes habilitados à adoção. Além disso, algumas instituições privadas também oferecem serviços de análise genética para busca de informações sobre a origem biológica.
Quais as implicâncias do procedimento junto ao Registro Civil?
A dignidade da pessoa começa formalmente com o registro de seu nascimento. De acordo com a Lei de Registros Públicos, o ato registral do nascimento comprova a existência e a identidade de uma pessoa, e é nele que são registrados os dados básicos de um indivíduo, como o nome, a data de nascimento, a filiação e o estado civil.
Frente a essa premissa fundamental, depreende-se do ato administrativo regulamentador, em específico, existe a respectiva importância do nome (art. 6, II), a partir do acompanhamento e da participação direta da equipe técnica multidisciplinar que acompanha a gestante, bem como entre diversos fatores, a possibilidade de escolha do direito de atribuição de nome à criança, colhendo de qualquer forma suas sugestões, assim como será explicado o procedimento de atribuição do nome, caso a mãe biológica não se predisponha a fazer.
Na mesma linha de pensamento, reafirmando a garantia da lavratura do registro de nascimento e respectiva certidão, o parágrafo 2º, art. 8º, da Resolução, repisa a observância da inclusão de todos os dados constantes na Declaração de Nascido Vivo (DNV), preservando, de todas as formas, o direito pertinente ao resguardo biológico.
Ainda, explícito no texto da Resolução, na sequência dos parágrafos, do artigo 8º, dispõe, na falta de atribuição do nome pela genitora, o registro será feito com o prenome de algum de seus avós ou de outro familiar da genitora biológica, conforme dados constantes do relatório produzido pela equipe técnica. Da mesma forma, caso a genitora não tenha seus dados filiatórios cognoscíveis pela equipe do estabelecimento de saúde, o juiz lhe atribuirá prenome e sobrenome.
O procedimento de adoção garante aos adotantes a legitimidade do vínculo familiar com o filho adotado, incluindo direitos e deveres de pais, como a obrigação de fornecer amparo e proteção, e o direito de herança. De acordo com o ECA, a adoção é considerada um ato jurídico irrevogável que cria vínculos de filiação entre o adotante e o adotado, com efeitos similares aos da filiação natural. O Estatuto também prevê medidas de proteção para os genitores biológicos e para o adotado, assegurando o direito de privacidade e sigilo da identidade dos genitores biológicos, e garantindo aos adotantes a legitimidade do vínculo familiar com o filho adotado[11].
No caso de uma criança adotada, o Estatuto e a Lei de Registros Públicos preveem a alteração do registro de nascimento da criança para cancelar o registro anterior e se lavrar novo assento, com os nomes dos adotantes como pais legais da criança. O registro de nascimento da criança adotada é considerado um documento público e, como tal, tem fé pública e presunção de verdade, o que significa que os dados nele registrados são considerados verdadeiros até que sejam comprovados o contrário. Portanto, de acordo a Lei de Registros Públicos, o registro de nascimento prévio da criança adotada é cancelado e é lavrado um novo assento de nascimento, desta vez com o nome dos pais adotantes.
A regulamentação da alteração do registro de nascimento da criança após a adoção está prevista no artigo 46, da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA):
“Art. 46. O registro de nascimento da criança ou adolescente será alterado, incluindo-se o nome dos adotantes como pais, e o respectivo assento será fechado, sendo aberto outro em seu lugar.”
O que este dispositivo prevê é exatamente o “cancelamento” do termo de nascimento anterior. O Oficial registrador nunca expedirá certidão, exceto através de mandado judicial. A regulamentação da alteração do registro de nascimento da criança após a adoção, encontra-se disposta no art. 47, da Lei de Registros Públicos
Este artigo prevê que a sentença que declarar a adoção deve fazer menção expressa à alteração do registro de nascimento da criança, incluindo os nomes dos pais adotantes, e que o oficial do registro deve realizar a averbação necessária.
O que se deduz da Resolução 485/2023 do CNJ é que não houve qualquer alteração significativa quanto as diretrizes prévias junto ao ECA nem junto a Lei de Registros Públicos, permanecendo neste aspecto a importância da atribuição do nome da criança bem como o sigilo registral da adoção, bem como o direito ao conhecimento da filiação genética.
Para reflexão …
A referida normativa, no intuito de justeza e equilíbrio social, surge com objetivo de direcionar o olhar social à proteção da mulher gestante e puérpera, bem como da criança, fundamentada na responsabilidade solidária do poder público atuante na intervenção precoce de amparo e a orientação social.
Nesse sentir, mister se faz a adoção de medidas públicas em favor da gestante ou mãe que manifeste interesse em entregar seu filho para adoção, antes ou logo após o nascimento, visando garantir a máxima proteção de todos os envolvidos. Cumpre destacar, tais medidas devem ser precedidas de suporte à família, para que sejam evitados casos de adoção desnecessários, bem como para que a mãe possa contar com o apoio necessário para cuidar do filho. Dessa forma, a intervenção precoce e mínima é um princípio fundamental para a proteção da criança e da família.
A diretriz de atendimento integrado e intersetorial à garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes, que estabelece a importância da atuação conjunta e colaborativa de diferentes órgãos e setores da sociedade, visando a garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes. Essa diretriz é fundamental para que seja garantido o desenvolvimento saudável e pleno das crianças e adolescentes, bem como para a prevenção de situações de vulnerabilidade e violação de direitos
Nada obstante, em alguns países da Europa, a citar legislações na França, Luxemburgo, Itália e República Checa todos dispõem de atos normativos autorizadores reconhecendo as mulheres a solicitarem o sigilo do seu parto e de sua identidade na certidão de nascimento da criança, vedando qualquer julgamento discriminatório, de pré-julgamentos morais e religiosos, não havendo a constituição de óbices legais.
O legislador pátrio atento as necessidades sociais, buscou encontrar um equilíbrio entre a proteção da criança e a liberdade de decisão da mulher em optar o não exercício consciente da maternidade e evitando, assim, sequelas ao desenvolvimento psicológico e social da criança sujeita ao abandono.
E pelo visto, considerando nossa realidade fática da existência de um contingente de crianças que vem sendo abandonadas diariamente ao nascer, necessitando de amparo legal, para além do mero acolhimento assistencial, surge a partir daqueles que se comprometem em aplicar o Direito um instrumento realizador de uma ordem jurídica-social justa e equilibrada, apartada de dogmatismos que possibilita um viés mais conceitual e menos pré-conceitual.
As discriminações em matéria de adoções, a partir de partos realizados em segredo, fundadas tão somente no fato de não desejar o exercício da maternidade, constitui um preconceito injustificado, sujeita-se a precoce decretação de nulidade jurídica do ato, por ofender direto a ordem jurídica constitucional. Assim, o parto em segredo deve ser entendido como uma possibilidade de interpretação a reconstrução da dignidade da gestante e da criança, por via de inclusão em um espaço familiar.
__________
[1] A resolução 485 do CNJ entrará em vigor 60 dias após a publicação.
[2] A política pública de proteção da mulher, gestante e puérpera, bem assim da criança, está assegurada nos arts. 7º, 8º e 13, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
[3] Diagnóstico sobre o Sistema Nacional de Adoção em 2020. Disponível aqui. Acesso em: 09/03/2023.
[4] No Brasil, existem diversas normas legais e dispositivos constitucionais que protegem a criança e a parturiente. Alguns dos mais relevantes são: a) Constituição Federal de 1988: A Constituição Federal garante a proteção integral à criança e ao adolescente, assegurando a proteção à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao lazer e à convivência familiar e comunitária (art. 227). Além disso, a Constituição também garante a proteção à maternidade, à gestante e ao parto (art. 6º, 7º e 196). b) Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): O ECA é uma lei federal que estabelece as normas para a proteção integral da criança e do adolescente, estabelecendo seus direitos fundamentais e as obrigações da família, da sociedade e do Estado em relação a eles. O ECA também estabelece normas específicas para a proteção da gestante e da parturiente, como o direito ao acompanhamento durante o parto e a garantia de condições adequadas para o nascimento (arts. 8º e 9º). c) Lei do Parto Humanizado: A Lei nº 11.108/2005 estabelece o direito da gestante de ter um acompanhante durante todo o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, além de garantir o respeito aos seus desejos e preferências no momento do parto. d) Normas regulamentadoras do Ministério da Saúde: O Ministério da Saúde estabelece diversas normas e diretrizes para a atenção à saúde da gestante e do recém-nascido, como o Programa de Humanização do Parto e Nascimento (PHPN) e as diretrizes para a atenção ao parto normal. e) Código Penal: O Código Penal prevê sanções penais para crimes contra a gestante, como o aborto sem seu consentimento (art. 125) e o abandono de recém-nascido (art. 134). Esses são apenas alguns dos principais dispositivos legais e constitucionais que protegem a criança e a parturiente no Brasil. Há também outras leis e normas específicas que estabelecem direitos e garantias para essas pessoas em diferentes contextos.
[5] As normas internacionais de direitos humanos também estabelecem a proteção ao recém-nascido e à parturiente, sendo alguns dos principais instrumentos: a) Declaração Universal dos Direitos Humanos: A Declaração Universal dos Direitos Humanos estabelece o direito à vida, à liberdade e à segurança da pessoa (art. 3º), bem como o direito à saúde, incluindo a assistência médica e os cuidados necessários para a saúde da mãe e da criança (art. 25) (Declaração Universal dos Direitos Humanos – Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível aqui). Convenção sobre os Direitos da Criança: A Convenção sobre os Direitos da Criança é um tratado internacional que estabelece os direitos fundamentais de todas as crianças, incluindo o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à igualdade e à proteção contra todas as formas de violência e discriminação (art. 6º e 24º) Convenção sobre os Direitos da Criança – Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989. Disponível aqui). Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher: A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher estabelece o direito à proteção da saúde da mulher, incluindo os cuidados médicos e a assistência obstétrica necessária durante a gravidez, o parto e o período pós-parto (art. 12). Recomendações da Organização Mundial da Saúde: A Organização Mundial da Saúde estabelece recomendações para a assistência à gestante e ao recém-nascido, incluindo as boas práticas para o parto e o nascimento seguro, a atenção ao aleitamento materno e os cuidados pós-natais. (Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher – Adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 18 de dezembro de 1979. Disponível aqui. E Recomendações da Organização Mundial da Saúde – As recomendações da OMS para a assistência à gestante e ao recém-nascido são atualizadas periodicamente. As mais recentes estão disponíveis aqui.) Essas são apenas algumas das principais normas internacionais de direitos humanos que estabelecem a proteção ao recém-nascido e à parturiente. Além desses instrumentos, há outros tratados e normas específicas que estabelecem direitos e garantias para essas pessoas em diferentes contextos.
[6] Existiam três projetos legislativos que pretendiam institucionalizar o parto anônimo, no Brasil. PL 2.747/2008, o primeiro a ser apresentado à Câmara dos Deputados, pelo deputado Eduardo Valverde, de Rondônia. O PL 2.834/2008, apresentado pelo deputado Carlos Bezerra, de Mato Grosso. Por fim, o PL 3.220/2008, apresentado pelo deputado Sérgio Barradas, da Bahia, cuja autoria é do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Os dois últimos projetos foram apensados ao primeiro para tramitação conjunta e, atualmente, todos encontram-se arquivados. No trâmite legislativo, o projeto foi encaminhado à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que acatou o relatório do Deputado Luíz Couto, do Estado da Paraíba, que o rejeitou alegando que seria um evidente retrocesso ao tempo das “rodas dos enjeitados medievais”, além de violar, pelos olhos do deputado, diversos direitos fundamentais das crianças (BRASIL, CÂMARA, 2009, on line), o que acarretou o arquivamento dos três Projetos de Lei.
[7] Resolução 485/2023 CNJ. Art. 2º Gestante ou parturiente que, antes ou logo após o nascimento, perante hospitais, maternidades, unidades de saúde, conselhos tutelares, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializada de Assistência Social (CREAS), instituições de ensino ou demais órgãos do Sistema de Garantia de Direitos, manifeste interesse em entregar seu filho à adoção, antes ou logo após o nascimento, será encaminhada, sem constrangimento, à Vara da Infância e Juventude, a fim de que seja formalizado o procedimento judicial e seja designado atendimento pela equipe interprofissional.
[8] Resolução 485 CNJ: Art. 6º A equipe técnica deverá informar, ainda, a gestante ou a parturiente, dentre outros, sobre: I – o direito à assistência da rede de proteção, inclusive atendimento psicológico nos períodos pré e pós-natal, devendo, de plano, a equipe interprofissional fazer os encaminhamentos necessários, caso haja sua anuência;
[9] ECA, art. 48.
[10] Resolução 485 CNJ: Art. 4º No relatório circunstanciado a ser apresentado pela equipe interprofissional será avaliado: II – se, ressalvado o respeito a sigilo em caso de gestação decorrente de crime, a pessoa gestante foi orientada sobre direitos de proteção, inclusive de aborto legal (art. 128 do Código Penal); … VI – se a pessoa gestante ou parturiente tem conhecimento da identidade e paradeiro do pai e da família paterna, e se necessita suporte para contato e mediação de eventuais conflitos, salvo no caso de requerer sigilo quanto ao nascimento.
[11] A regulamentação da adoção está presente em diversos dispositivos da Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA). Algumas das principais disposições que regulamentam a adoção no ECA incluem:
Artigo 42: estabelece os requisitos para se tornar adotante, como a idade mínima de 25 anos e a diferença de idade mínima de 16 anos entre o adotante e o adotado.
Artigo 44: define as condições para a celebração do ato de adoção, incluindo a necessidade de autorização dos pais biológicos ou da autoridade judiciária.
Artigo 45: trata da possibilidade de adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos.
Artigo 46: estabelece as formas de registro da adoção, incluindo o registro no Registro Civil de Nascimento das Pessoas Naturais.
Artigo 47: define o efeito da adoção, que é a extinção dos vínculos com os pais biológicos e a constituição de novos vínculos de filiação com os adotantes.
Artigo 48: estabelece que a adoção pode ser revogada nos casos previstos em lei.
Artigo 50: prevê medidas de proteção para os genitores biológicos, como o sigilo da identidade dos mesmos.
Patrícia Lichs Cunha Silva de Almeida: Doutora (2021) e Mestre (2018) pelo Programa em Direito na Universidade de Marília – UNIMAR. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (2008). Graduada em Biblioteconomia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1998). Oficiala Registradora de Pessoas Naturais e Tabeliã de Notas Município de Santa Salete, Comarca de Urânia, Estado de São Paulo.
Izaías G. Ferro Júnior: oficial de Registro de Imóveis, Civil das Pessoas Naturais e Jurídicas e de Títulos e Documentos da Comarca de Pirapozinho/SP. Especializado em Direito Civil e Processo Civil pela UES. Mestre em Direito pela EPD – Escola Paulista de Direito. Professor da graduação e da pós-graduação de Direito Civil e Registral em diversas universidades e cursos preparatórios. Atual diretor de assuntos Agrários do IRIB. Autor de diversas obras em coautoria sobre temas registrais.
Fonte: Migalhas
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