NOTÍCIAS
Artigo – Ganho de capital decorrente da avaliação do bem deixado como herança é tributável
03 DE ABRIL DE 2023
Discute-se aqui recente decisão sobre a incidência de imposto estadual e do imposto de renda em decorrência da valorização do imóvel por transferência em sucessão por herança, legado ou doação em adiantamento da legítima aos herdeiros do imóvel deixado pelo de cujus, à diferença a maior do que consta da declaração de renda do de cujus, conforme decisões da 1ª Turma (relator ministro Roberto Barroso) e da 2ª Turma (relator ministro Nunes Marques) do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em resumo, os dois relatores apresentaram a seguinte posição:
– O ministro Roberto Barroso entende que a tributação deve ser pelo tributo estadual e não há incidência do IR;
– Por sua vez, o ministro Nunes Marques define que incide a tributação estadual e, quanto ao IR, não há matéria constitucional para análise.
A decisão tem por base o §3º do artigo 3º da Lei n. 7.713/1988 e o §1º do artigo 23 da Lei nº 9.532/1997, que dispõem o seguinte:
Lei nº 7.713/1988
“Artigo 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos artigos 9º a 14 desta Lei.
[…]
- 3º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.”
Lei nº 9.532/1997
“Artigo 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador.
- 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento.”
A título de exemplo, na prática, o que determina o §1º do artigo 23 da Lei nº 9.532/1997 é que quando um bem imóvel constante da declaração do de cujus no valor de aquisição de R$ 2 milhões, em 2020, tem seu valor “avaliado” na data da morte, por exemplo, no valor de R$ 3 milhões, em dezembro de 2022, o espólio ficará sujeito a recolher 15% a título de Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF) sobre a diferença de R$ 1 milhão). (o exemplo é ilustrativo, a diferença deve ser menor após aplicar os fatores constante do programa Ganho de Capital — GCAP).
Contudo, surge a discussão quanto ao conceito de renda (artigo 43, II, do Código Tributário Nacional [CTN]). Embora seja muito restrito, não se pode, com todo o respeito, a “morte” ser considerada causa de “renda”, “proventos” ou “ganho de capital”: “ninguém espera morrer, tampouco a morte vem a ser um ‘ganho financeiro'” (VINICIUS LOSS, Empório do Direito, 23 ago. 2017).
Modesto Carvalhosa (Estudo do imposto sobre a renda, Forense, 2003, p. 311) entende que “a renda deve provir de uma fonte patrimonial pertencente a à própria pessoa anteriormente” e não ao herdeiro que recebeu o bem por herança, concluindo-se que:
Dessa forma, somente constitui renda tributável aquela originada no patrimônio preexistente da própria pessoa, ou seja, a obtida a título oneroso, entendida esta última palavra como o esforço ou risco da aplicação de um patrimônio material ou imaterial, numa determinada, pelo próprio indivíduo que irá pagar o tributo (à aplicação de capital, juros, trabalho, salário). Não é tributável, portanto, a renda acrescida ao patrimônio de uma determinada pessoa a título gratuito, por doação, herança etc.
A Constituição (CF/1988, artigo 155, I), ao definir as competências tributárias, estabelece que é de competência dos estados e do Distrito Federal instituir Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCMD) de quaisquer bens ou direitos.
Por seu turno, o CTN, ao tratar do imposto sobre causa mortis, estabelece que a base de cálculo do tributo é o valor venal do bem (artigo 35 c/c artigo 38).
O que determina a norma é que, com a morte do de cujus, ocorre de imediato a transmissão patrimonial aos herdeiros, como define o art. 1.784 do Código Civil (CC/2002). E a transmissão tem de ser pelo valor venal e não pelo valor constante da Declaração de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF), e o único imposto a ser tributado é o estadual, como estabelece a CF/1988 e o CTN.
O estado de Pernambuco, mediante o artigo 5º da Lei nº 13.974/2009, determina a cobrança do ITCMD e tem como base de cálculo o valor venal dos bens ou direitos transmitidos ou doados.
A crítica que se faz é que não pode a causa mortis ser considerada “ganho de capital” tributável para fins de imposto de renda a partir da data da morte.
No caso dos herdeiros, por determinação da legislação estadual, deve ser declarado o valor venal do bem constante na data do evento “morte do de cujus” e não o valor defasado constante da declaração do imposto sobre a renda. A doação e herança, por ser uma transferência patrimonial gratuita, não pode sofrer incidência do imposto sobre a renda constante do artigo 153, III, da CF/1988 quando incide sobre outra operação, que é a do artigo 153, I, da CF/1988. Ora, se a base de cálculo do valor venal servir para as duas esferas tributantes (estadual e federal), acarretará bitributação.
Complementando a leitura do §3º do artigo 3º da Lei nº 7.713/1988, o inciso III do artigo 22 da Lei nº 7.713/1988 exclui a “valorização” da incidência do IR do “ganho de capital” e as “transferências causa mortis e as doações em adiantamento da legítima”:
“Artigo 22. Na determinação do ganho de capital serão excluídos:
[…]
III – as transferências causa mortis e as doações em adiantamentos de legitimas;
[…].”
Misabel Abreu Machado Derzi, ao comentar o livro de Aliomar Baleeiro (Direito tributário brasileiro, p. 267) a respeito de “ganho de capital”, esclarece esse conceito:
“[…] Sendo acréscimo ao patrimônio do beneficiado, poderíamos, também, configurar fato tributável por meio do imposto de renda (lucro; ganho de capital)? A Constituição Federal responde que não. Seguindo o modelo de sistema tributário mais usual, tal como ocorre na Europa e na América, ela autonomizou essas formas de aquisição (por causa mortis e por meio de doação), para isso se criou espécie independente que entregou a competência tributária ao estado. Efetivamente, nenhum dos países que adota modelo de sistema como o nosso admite simultaneamente tais transmissões causa mortis e doações ao imposto de renda. A rigor, nesses modelos, o imposto sobre a renda e transmissão por causa mortis e doação é complementar ao imposto de renda. Daí a pessoalidade e a progressividade conferidas a ambos. Ao contrário, somente naqueles em que inexiste espécie independente, o imposto de herança e doações, é que o imposto de renda alcança os ganhos de capital que as aquisições gratuitas representam.”
Para Bulhões Pedreira (Imposto de Renda, p 218), ao distinguir tributos sobre ganho patrimônio, ou capital, sobre a renda, “entendemos que o conceito constitucional de renda não permite à lei ordinária sujeitar o imposto sobre a renda às doações, heranças e quaisquer outras modalidades de transferência de capital”.
A 1ª Turma do STF julgou neste sentido:
“EMENTA: TRIBUTÁRIO IMPOSTO DE RENDA SOBRE GANHO DE CAPITAL DOAÇÃO ARTIGO 3º, §3º, DA LEI N. 7.713/88, ARTIGO 23 DA LEI N. 9.532/97, ARTIGO 43, II, DO CTN. INOCORRÊNCIA DE ACRÉSCIMO PATRIMONIAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. A doação de imóvel não gera para o doador qualquer tipo de acréscimo patrimonial, estando, portanto, esta operação isenta da incidência de imposto de renda. 2. A valorização imobiliária dos bens objeto da doação não deverá ser tributada como ganho de capital para o doador, uma vez que houve redução do seu patrimônio, gerando eventual acréscimo patrimonial apenas para o destinatário. 3. […] A lei ordinária, ao estabelecer que a doação constitui acréscimo patrimonial para o doador, contraria a definição do fato gerador do Imposto sobre a Renda, prevista no artigo 3º, II, do CTN, norma com hierarquia de lei complementar 5. […]”. (REAGTR 1387761/ES, Rel. Min. Roberto Barroso).
Já a 2ª Turma do STF decidiu assim:
“EMENTA: LEI N. 9.532/97. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA DIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. GANHO DE CAPITAL EM BENS HERDADOS. 1. […] 2. A discussão acerca da ocorrência de bitributação exige a reinterpretação de norma infraconstitucional, o que é vedado em recurso extraordinário. 3. Dissentir da conclusão alcançada pelo Colegiado de origem quanto à ausência de ganho de capital na transferência de bens herdados demandaria a análise do conjunto fático-probatório produzido nos autos […]. 4. […]” (AgRg do RE 943075/MG, relator ministro Nunes Marques).
Portanto, o herdeiro, ao receber “bens e direitos” por transmissão de causa mortis ou doação, não importa a ocorrência do fato gerador ou se tenha “ganho de capital” e/ou, por conseguinte, não havendo incidência da norma ordinária, “renda”, e o fato gerador do imposto sobre a transmissão de causa mortis e doação é o tributo estadual. Desejamos vida longa ao entendimento do STF, em respeito ao princípio constitucional.
Gláucio Manoel de Lima Barbosa é advogado, sócio do escritório Ivo Barboza & Advogados Associados e pós-graduado em Direito Tributario pela Universidade Federal de Pernambuco.
Glaubia Amélia de Souza Lima Gil Rodrigues é advogada, mestranda em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito na Universidade de Lisboa (FDUAL), especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP) e Universidade Federal de Pernambuco(UFPE).
Fonte: ConJur
Outras Notícias
Anoreg RS
Cartório TOP: NBR 15906 auxilia as serventias a gerirem seus processos atendendo aos requisitos legais e buscando melhorias na qualidade dos serviços
24 de abril de 2023
O programa é voltado para notários e registradores, além de suas equipes de trabalho, e conta com seis módulos...
Anoreg RS
Artigo – É possível penhorar milhas aéreas? – Por Maíra de Carvalho Pereira Mesquita
24 de abril de 2023
Princípio da efetividade processual, incluída a atividade satisfativa
Anoreg RS
Mesa Redonda: Centrais Eletrônicas e os novos serviços digitais é destaque na programação do XIV Encontro Notarial e Registral do RS
20 de abril de 2023
As inscrições estão disponíveis no site www.encontronotarialeregistral.com.br, com os valores do 3º lote.
Anoreg RS
“Hoje podemos realizar quase todos os atos de modo 100% eletrônico”
19 de abril de 2023
Presidente do Ibradim, André Abelha fala sobre o avanço da tecnologia nos serviços extrajudiciais.
Anoreg RS
Assinada Frente Parlamentar do Serviço Notarial e Registral
19 de abril de 2023
A Frente Parlamentar do Serviço Notarial e Registral foi oficialmente assinada e protocolada na tarde desta...