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Artigo – A importância da especialidade objetiva e subjetiva para a cláusula de vigência e direito de preferência – por Luis Fábio Mandina Pereira
12 DE JUNHO DE 2023
O diálogo entre a lei de locação e a lei de registros públicos exige maior cuidado na elaboração contratual para garantir o ingresso do contrato na matrícula e garantir a eficácia da cláusula de vigência e do direito de preferência.
A locação imobiliária possui importante papel na economia e sempre que estudamos o instituto, precisamos entender que, mais do que a relação entre particulares, atinge questões sociais como moradia, mercado, emprego, desenvolvimento empresarial e estabilidade econômica.
Neste breve estudo tratamos especificamente de dois direitos instituídos que visam exatamente garantir a segurança jurídica e a estabilidade dos pontos acima descritos, quais sejam, o direito de preferência e a cláusula de vigência do contrato em casos de alienação.
Antes de adentrar efetivamente na matéria, é preciso mencionar que a lei 8.245/91, regula tanto as locações residências como as não residenciais, trazendo em seu art. 45, uma regra importante na interpretação dos contratos, vejamos:
Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente lei, notadamente as que proíbam a prorrogação prevista no art. 47, ou que afastem o direito à renovação, na hipótese do art. 51, ou que imponham obrigações pecuniárias para tanto.
Segundo Silvio Capanema de Souza, o artigo da lei serve como uma regra genérica, uma espécie de seguro contra fraudes.[1]
Isto posto, passamos ao contrato de locação, negócio jurídico bilateral, comutativo e não solene, ou seja, pode ser convalidado verbalmente, por instrumento particular ou por escritura pública, adotando a forma plúrima.
A doutrina de Silvio de Salvo Venosa[2] ensina que não dependendo de forma preestabelecida, trata-se de contrato não formal, porém, alguns efeitos somente serão alcançados pela forma escrita.
Sendo uma espécie de negócio jurídico, deve ser estudado sobre os três planos: existência, validade e, principalmente, a eficácia.
Como explanamos, a ausência de solenidade remete o tipo contratual para a regra geral do art. 107 do Código Civil, mas condiciona a eficácia de alguns direitos e o efeito erga omnes à publicidade gerada pela averbação ou registro junto ao fólio real.
Nesse sentido a lição de Luiz Guilherme Loureiro:
“A atribuição da oponibilidade mediante o registro confere às situações jurídicas um plus pelo qual os interessados evitam que terceiros atuem como se o ato registrado não existisse. Vale dizer, todo direito ou negócio jurídico inscrito pode ser oposto contra quem quer que seja, ainda que afete suas legítimas expectativas econômicas ou impliquem perda de direitos ou interesse sobre o bem”[3] (grifamos)
Pedimos ao leitor especial atenção à parte final da citação, pois como veremos, as expectativas econômicas e a perda de direitos resultam no objetivo principal do estudo sobre a cláusula de vigência e o direito de preferência.
Seja por ato de averbação ou registro, o ingresso do contrato na matrícula do imóvel é uma inscrição declarativa, conforme exemplifica o I. Des. Ricardo Dip em Registros sob Registros #14:
“100. Declarativa diz a inscrição imobiliária que, ainda tendo por objeto um título (em acepção formal), exprime, no entanto, um direito já constituído. Essa inscrição específica -na qual prepondera o fim declaratório- é sempre um post factum constitutivum (ou um post rem), e ela não integra, de nenhum modo, a substância do direito a que se refere…
Algumas dessas determinações estão previstas em lei (são designadas de limitações: p.ex., a inibição de transferir o direito de usufruto, tal o dispõe o Código civil brasileiro, em seu art. 1.393; a obrigação de o condômino contribuir para as despesas de conservação ou divisão da coisa -art. 1.315), outras, todavia, advêm de pactos privados (são chamadas de restrições ou também de cargas reais: assim, as posturas autônomas quanto à edificação, frequentes em loteamentos; a cláusula de vigência locatícia; a multipropriedade; a disciplina das convenções condominiais).” [4]
Depreende-se que tanto a cláusula de vigência como o direito de preferência, uma vez levados à publicidade na matrícula do imóvel locado, geram a informação pública de que sobre aquele bem existe uma relação locatícia e com prazo determinado.
Como citamos alhures, a segurança jurídica exige que a forma contratual seja a escrita, ainda que na modalidade particular e eletrônica.
Após o protocolo do contrato perante a Serventia da circunscrição imobiliária, o contrato passa pela qualificação registral, atividade do Registrador, que terá por finalidade analisar extrinsecamente o título e verificar o preenchimento dos requisitos legais para seu registro.
Na cláusula de vigência, como a própria nomenclatura diz, exige-se uma cláusula específica no contrato. A existência da cláusula é condição para a validade do direito de manutenção da vigência. A eficácia de tal direito, por sua vez, advém do seu registro imobiliário.
As legislações especiais, locação e registros públicos, apresentam uma antinomia quanto ao ato registral. O art. 8º da lei 8.245/91, trata o ingresso do contrato como ato de averbação enquanto a lei de registros públicos define no seu rol taxativo do art. 167, I, 3, como ato de registro.
Respeitando as variadas interpretações, em razão da especialidade e do princípio da legalidade, ao qual o Registrador é vinculado, o ato deve ser de registro.
O registro garante ao locatário a vigência do contrato pelo prazo ajustado, sem que uma eventual alienação possa afetar sua moradia ou seu negócio. Não são raros os casos de locações não residenciais em que o locatário procede com substancial investimento no imóvel e, sem condições de exercer o direito de preferência, acaba por ver o contrato denunciado pelo adquirente, restando-lhe apenas o direito a eventual indenização, observados os requisitos legais básicos para esse fim.
A qualificação registral também observa questões de legalidade, como os exigidos pelo art. 8º, quais sejam, o tempo determinado e a existência da cláusula específica. Desta forma, o contrato renovado por prazo indeterminado e sem o devido registro não reúne os requisitos legais.
Questão relevante, mas que deve ficar para outro estudo, é se a ciência inequívoca da locação pelo adquirente afastaria a publicidade do registro.
Já o direito de preferência, é garantido pela lei e não necessita de cláusula específica ou mesmo de averbação, porém, o ato registral irá garantir eficácia perante o adquirente, permitindo que o locatário preterido possa, depositando o preço do negócio dentro de certo lapso temporal, adquirir a propriedade do bem.
Note-se pela redação do art. 27 da lei 8.245/91 que o direito não exige qualquer condição, trata-se de um direito subjetivo e que pode ou não ser exercido, independente de ajuste contratual, no entanto, a publicidade registral gera efeitos diversos ao negócio jurídico conforme o art. 33 da mesma legislação:
Art. 33. O locatário preterido no seu direito de preferência poderá reclamar do alienante as perdas e danos ou, depositando o preço e demais despesas do ato de transferência, haver para si o imóvel locado, se o requerer no prazo de seis meses, a contar do registro do ato no cartório de imóveis, desde que o contrato de locação esteja averbado pelo menos trinta dias antes da alienação junto à matrícula do imóvel.
O Registrador observará o prazo vigente e que a data do protocolo antecedente ao registro da alienação. Em caso de protocolos no mesmo dia, ainda que se reclame o princípio da prioridade, a preferência não poderá ser exercida, pois o texto do art. 33 fixa o prazo decadencial de 30 (trinta) dias antes da alienação.
Portanto, ao locatário que não exerceu o direito de averbação do contrato, apenas restará pleitear em face do vendedor, antigo locador, uma eventual indenização, enquanto àquele que foi diligente, garante-se o direito de adjudicação na forma da lei.
A extensão dos direitos não é o objeto do estudo, mas a relevância na forma de seu exercício e a eficácia garantida pelo registro.
Para os dois institutos aqui estudados, o ingresso do contrato dar-se-á com apenas uma via do instrumento, assinada pelas partes e por duas testemunhas.
Para a eficácia dos direitos que se dará com a publicidade, é preciso preencher os requisitos legais para atender ao princípio da especialidade subjetiva, devendo o contrato trazer a qualificação completa das partes. Por envolver direitos sobre a propriedade e para preservar o princípio da continuidade, exige-se ao menos um dos proprietários tabulares figure como locador, mitigando-se o princípio quanto aos demais.
É importante atentar-se para a qualificação das partes e a necessidade de averbação de certidões de casamento, divórcio ou óbito, sempre que alterem o registro. (art. 176, II, 4, a e b e art. 176, III, 2, a e b da lei 6.015/73)
Já quanto ao princípio da especialidade objetiva, o contrato deve conter a descrição do imóvel com o número da matrícula e o cartório correspondente. O objeto da locação é o imóvel e sua individualização se dá com a matrícula.
A matrícula é a identificação do imóvel e de seu registro, sendo indispensável sua identificação no contrato, porém, questão a ser indagada é se caberia a mitigação do princípio da especialidade objetiva quanto a descrição das edificações existentes, ausência de averbação da construção e ainda, nos casos de locação parcial do prédio, sem matrículas individualizadas. Entendemos que não.
Nesse sentido a Jurisprudência do C.S.M de São Paulo:
Registro de imóveis – Contrato de locação – Pedido de registro de cláusula de vigência e averbação do direito de preferência – Princípio da especialidade objetiva, porém, que não foi respeitado em razão da divergência existente entre a descrição dos imóveis locados no título e aquela existente no registro – Impossibilidade, neste caso concreto, de cisão do título para registro da locação dos terrenos, deixando-se para momento posterior a averbação da construção, porque o contrato diz respeito à locação de “loja” cujo faturamento servirá como base de cálculo do aluguel – Recurso desprovido. (CSM – Apel. 1042486-34.2016.8.26.0224. D.j. 31/8/18)
Em parecer no processo CG/SP 09/122791 o Juiz auxiliar à época, Dr. José Marcelo Tossi Silva, assim fundamentou:
“Com efeito, no contrato apresentado pela recorrente consta que: “A LOCADORA se obriga, neste ato, a entregar em locação a LOCATÁRIA o imóvel de sua propriedade, já discriminado no endereço supracitado, locação esta que corresponderá a metragem de 127,93m² (correspondente este em 2 (dois) cômodos e 1/3 de área) como quintal em seus fundos)” (fls. 49).
Faltam, no contrato, as respectivas medidas perimetrais, com seus pontos de amarração, de modo a permitir a identificação da localização geodésica do terreno locado e de sua inserção dentro daquele objeto da matrícula 9.864 do Registro de Imóveis de Santo Antonio do Pinhal, com o que não se encontra atendida, mais uma vez, a especialidade do registro imobiliário.”
Verifica-se o quanto é importante uma correta redação contratual, pois a divergência que gera necessidade de retificação ou regularização do imóvel perante o Registro Imobiliário pode inviabilizar o ato de averbação ou registro em prazo útil, afetando a segurança jurídica e diretamente o direito.
O operador do direito deve atentar aos termos dos arts. 222 e 223 da lei 6.015/73 que exigem a indicação da matrícula e do cartório, um detalhe relevante para a elaboração do contrato de forma a respeitar os princípios da especialidade e da legalidade.
A crescente dos contratos eletrônicos e a necessidade de rapidez na formação dos negócios imobiliários não devem ser fatos antagônicos à segurança jurídica, em especial quando pelo sistema da lei de registros públicos podem resultar em uma qualificação negativa.
Demonstrando a importância da atividade registral e da qualificação, citamos respectivamente a lição do Doutor Marcus Vinicius Kikunaga[5] para o qual a atividade tem como finalidade, auxiliar o Poder Judiciário, instrumentalizando atos ou negócios consensuais, na busca da paz social; e do Registrador Doutor Flauzilino Araújo dos Santos[6], para quem a qualificação registral deve ostentar o signo de integralidade. Sendo um dever do Registrador proceder ao exame exaustivo do título exibido, quer seja uma escritura, um título judicial, um contrato particular com ou sem força de escritura pública, um requerimento
Finalizamos frisando a necessidade de se fomentar o registro do contrato de locação para garantir maior segurança jurídica ao empresário, ao investidor, ao locatário e ao próprio mercado quanto ao cumprimento das obrigações, ponto indissociável da publicidade que só registro imobiliário fornecerá, sendo o estudo prévio e intrínseco de uma matrícula imobiliária um fator primordial para prevenção de litígios.
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[1] Souza, Sylvio Capanema. A lei do inquilinato comentada: artigo por artigo – 12. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 221
[2] VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do Inquilinato Comentada: doutrina e prática: lei 8.245, de 18-10-1991 – 13ª ed. – São Paulo: Atlas, 2014. p.11.
[3] loureiro, Luiz Guilherme. Registros públicos: teoria e prática – 10. ed. rev., atual e ampl – Salvador: Ed. Juspodivm, 2019, p. 590.
[4] https://www.colegiorisc.org.br/noticias/informativos/ricardo-dip-registros-sobre-registros-14/
[5] KIKUNAGA, Marcus. Direito notarial e registral à luz do Código de Defesa do Consumidor: visão estruturada da atividade extrajudicial – São Paulo: Editorial Lepanto, 2019. p. 41.
[6] DOS SANTOS, Flauzilino Araújo. Princípio da legalidade e registro de imóveis. Disponível em https://irib.org.br/pessoas/flauzilino-araujo-dos-santos
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Luis Fábio Mandina Pereira é inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de São Paulo, sob nº 247.360, advogado especialista em Direito Imobiliário com ênfase em Direito Notarial e Registral pela ESA/OABSP, Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da 116ª Subseção OAB Jabaquara Saúde, membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM), Associado da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (AD NOTARE)]
Fonte: Migalhas
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