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Artigo: A família pronta ao seu futuro sob as perspectivas para 2023 – Por Jones Figueirêdo Alves
02 DE JANEIRO DE 2023
Quando o valor da pessoa em sua exata dimensão de dignidade demanda direitos e a família congrega as pessoas em suas unidades de valor, busca-se consolidar as novas tendências do Direito das Famílias. Efetivá-las, com a maior extensão de suas realidades jurídicas, é o desafio atual.
Dentro do seu amplo espectro, as perspectivas presentes exigem que a família seja regulada na ordem jurídica da melhor maneira possível. Designadamente, em face da reprodução assistida, dos institutos da socioafetividade e da multiparentalidade, e das diversas entidades familiares, em vieses jurídicos que coloquem, sempre, a pessoa como a prioridade maior. Como afirmam Rodrigo Cunha e Berenice Dias, a família “passou a ser muito mais um espaço para o desenvolvimento do companheirismo, do amor, e, acima de tudo, o núcleo formador da pessoa e elemento fundante do próprio sujeito” (1).
Em ser assim, desburocratizam-se os conflitos, expurgam-se os achismos de ideias retrógradas que representam apenas teorias fundadas em opiniões ou intenções meramente pessoais; afastam-se entendimentos desprovidos de sustentação jurídica e que assumem papéis ultraconservadores.
Enfim, privilegia-se o direito à busca da felicidade, com eficácia imediata e em respeito à autonomia da vontade e à liberdade dos sujeitos. Exemplos mais significantes desse direito são os:
(a) do divórcio potestativo, que a Emenda Constitucional nº 66/2010 trouxe ao nosso ordenamento jurídico, sem mais necessidade de motivação (requisitos causais) ou de prazo (requisitos temporais) para a sua concessão. Suficiente para a dissolução do casamento, a simples manifestação de vontade de um membro do casal;
(b) da recente Lei nº 14.340/2022, de 18 de maio, que efetivou importantes modificações na Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2012), dinamizando a atuação judicial e os mecanismos de proteção à melhor convivência familiar;
(c) da recente Lei nº 14.382/2022, de 27 de junho, a permitir mudanças significativas no prenome e sobrenome das pessoas, com pedido apresentado diretamente a qualquer um dos 7.800 cartórios de registro civil do país, sem limite de prazo ao requerimento e sem a judicialização das alterações pretendidas; de forma simples, mais rápida e menos onerosa (2). Com a nova lei que libera a mudança de nome em cartório e sem ação judicial, cerca de cinco mil pessoas já obtiveram, nestes últimos seis meses, a alteração dos seus prenomes.
Mas não é só. Dentre outras inovações, foi introduzido na Lei dos Registros Públicos (Lei 6.015/1973) o artigo 94-A, autorizando a formalização de termos declaratórios de união estável perante o Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN), em contributo saudável à desburocratização e aos menores custos do procedimento.
A família coloca-se, assim, pronta ao seu futuro, diante dos recentes incrementos da doutrina e da legislação civil. A evolução do direito das famílias depende, sobretudo, do rumo das variadas soluções construtivas nas relações familiares e de uma visão operativa de novos paradigmas. É o que se espera para 2023. Vejamos:
Reprodução assistida. A regulação jurídica das técnicas de reprodução medicamente assistida (RMA) apresenta-se como questão fulcral da legislação civil de família. Esse tema será debatido durante o Curso de Extensão “Análise jurídico-jurisprudencial do Direito das Famílias no sistema Luso-Brasileiro”, a realizar-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entre 16 e 20 do corrente mês. Os juristas Rafael Vale dos Reis (PT) e Fernanda Leão Barretto (BA-BR) tratarão de importantes aspectos como os da cessão de útero e suas normativas existentes e os dos embriões excedentários, sua utilização e seus efeitos, inclusive sucessórios. No Brasil, a Resolução nº 2.320, de 20 de setembro de 2022, do Conselho Federal de Medicina (CFM), entre tantas anteriores, é o único instrumento normativo que disciplina a matéria, tratando sobre normas éticas para a utilização das técnicas de RMA (3).
O PLS n. 90/1999, que tratou da reprodução assistida e aprovado no Senado em 2003, pendente desde então, não teve a devida análise na Câmara sob o n. 1.184/2003. O texto tem merecido severas críticas quando o projeto proíbe a gestação por substituição, remove o anonimato dos doadores de gametas, limita a fertilização de apenas dois óvulos e obsta a biópsia embrionária (4).
Mais recentemente, tramita o Projeto de Lei nº 1.851/2022, de 2 de julho.
Ele altera o artigo 1.597 do Código Civil, com a inserção de dois parágrafos, para dispor sobre o consentimento presumido de implantação, pelo cônjuge ou companheiro sobrevivente, de embriões do casal que se submeteu conjuntamente à técnica de reprodução assistida e, ainda, define a responsabilidade das clínicas médicas, centros ou serviços responsáveis pela reprodução assistida. “A grande lacuna legislativa no nosso ordenamento jurídico sobre a reprodução assistida não encontra explicação lógica e razoável em debate algum sobre o tema“, denunciou a senadora Mara Gabrilli na justificação do seu projeto. Uma vez aprovado, será um importante avanço legislativo (5).
Lado outro, projeto originário da Câmara dos Deputados, o de nº 115/2015, apensado ao PL 4.892/2012, pretende instituir o “Estatuto da Reprodução Assistida”, para regular a aplicação e utilização das técnicas e seus efeitos no âmbito das relações civis sociais (6). Interessante estudo foi desenvolvido durante o 19º Congresso Nacional de Iniciação Cientifica (Conic), tratando da análise jurídico-normativa de todos os dezessete projetos legislativos ora em curso sobre a RMA (7).
Como se observa, urge um esforço legislativo para dotar o ordenamento jurídico nacional de um estatuto sobre reprodução assistida, colocando nosso país em linha de frente com a regulação necessária e de conformidade ao desenvolvimento do biodireito.
No ponto, essa é uma das importantes perspectivas para 2023, sufragando os anseios das comunidades médica e jurídica. Mais ainda, quando se discute a questão dos embriões excedentários ou a legitimidade sucessória dos filhos havidos de reprodução assistida post mortem, com releitura do artigo 1.798 do Código Civil, no que tange à figura do embrião enquanto concepto ainda não gestado.
Multiparentalidade. Interessante projeto, na Câmara de Deputados, disciplina a herança em caso de multiparentalidade, para incluir padrastos e madastras como herdeiros de alguém sem filhos que morra deixando cônjuge.
O PL nº 5.774/2019 altera o artigo 1.837 do Código Civil para o caso de uma pessoa sem filhos morrer deixando cônjuge; mãe e/ou madrasta; e pai e/ou padrasto, a herança ser dividida em partes iguais entre cada um deles (8). O projeto atende as novas configurações familiares, certo que atualmente “cabe ao cônjuge 1/3 da herança, caso os dois pais do falecido sejam vivos. O cônjuge vivo recebe metade se “concorrer” apenas com o pai ou a mãe do falecido“; não considerando a multiparentalidade socioafetiva eventualmente existente.
A propósito do direito sucessório, estudos do IBDFam deram origem a importante anteprojeto de reforma do Direito das Sucessões, alterando o Código Civil, que resultou na iniciativa do PLS nº 3.799/2019. A respeito dos efeitos do direito sucessório, nos casos de multiparentalidade, importante estudo de Catarina Oliveira Costa foi publicado em 3/6/2021 (9).
Noutro giro, importa assinalar que a Academia Brasileira de Direito Civil (ABDC), em sua IX Olimpíada de Conhecimento Jurídico 2022, destinada a universitários de Direito em instituições de ensino do país, incentivou em modalidade da prova de “Redação de Projeto de Lei”, textos relativos ao “Estatuto do Padrastio”. O texto premiado, de estudantes da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Lavras-MG (UFLA) servirá de proposição legislativa.
Regime de bens. A norma do artigo 1.611, inciso I, do Código Civil, que estabelece a imposição do regime da separação obrigatória de bens para a pessoa maior de setenta anos, extensiva à união estável (STJ — Súmula 655), seguramente sob a eiva da inconstitucionalidade, exigirá, afinal, em 2023 o definitivo posicionamento do Supremo Tribunal Federal. Neste sentido, o tema, objeto de recurso extraordinário, teve repercussão geral reconhecida. afetado nos autos do Agravo no Recurso Extraordinário 1.309.642/SP, com a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso (Tema 1.236).
Processo Civil. Na questão processual, desponta diversas necessidades, “de lege ferenda“, para eficiência de uma melhor jurisdição. Bastante situar:
(a) o tempo dos processos de família deve ser aplicado, sob o filtro de relevância da dramaticidade dos problemas que neles subjazem, devendo o juiz enquanto gestor do litígio ser o verdadeiro curador da família em desajuste, na adoção de medidas de controle, de pacificação e de tutelas imediatas. Cada litígio pendente serve, aliás, de periclitação de direitos, sobretudo em prejuízo patrimonial da parte mais vulnerável.
(b) A inexistência de regra explicita para a concessão liminar do divórcio, deve ser superada a permitir em razão de direito potestativo a decretação liminar. Com precisão, todavia, deve o CPC melhor cuidar da hipótese, afinal tendo-se em conta de se constituir pedido incontroverso, ante a potestatividade da pretensão deduzida em juízo.
(c) Urge a revogação do artigo 734 do CPC, que exige para a alteração do regime de bens requerimento motivado por ambos os cônjuges, expostas as razões que justifiquem a alteração, ressalvados os direitos de terceiros. Em bom rigor, repete o artigo 1.639, § 2º do Código Civil. Ambos os dispositivos devem ser revogados em prestigio da plena autonomia da vontade dos cônjuges, a ser manifestada perante o próprio registro civil, sem prejuízo de futuras discussões judiciais de eventuais vícios do consentimento de um deles.
(d) a prova pessoal no “delicado tema da psicologia do depoimento” deve ter sua produção e valoração com o destaque da era tecnológica, a dispensar precatórias, sobretudo prestigiando as narrativas em meios telepresenciais, com a sua colheita remota. Para além disso, a atuação da parte autora no litígio de decisivo interesse deve alcançar o seu depoimento pessoal, a requerimento próprio e não apenas da parte contrária, ampliando-se a regra do artigo 385 do CPC. De lege ferenda, propõe-se parágrafo único ao citado dispositivo:
“Art. 385, § único. É facultada à parte autora a prova pessoal do seu depoimento, devido à incidência narrativa dos fatos articulados no pedido“.
Divórcio potestativo. A inclusão de nova modalidade de divórcio extrajudicial, sob a denominação de “divórcio impositivo” ou “divórcio unilateral“, a ser efetivado em cartório de registro civil pela declaração de vontade de um dos cônjuges em se divorciar, tem a sua tramitação no Senado através do Projeto de Lei nº 3.457/2019 (10) já aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, em 10/3/2020 Acrescenta ao Código de Processo Civil o artigo 733-A, permitindo que um dos cônjuges requeira a averbação do divórcio no cartório de registro civil ainda que o outro cônjuge não concorde, diante do manifesto direito potestativo daquele, invencível e inevitável.
Inspirou-se em Provimento nº 06/2019, de 29 de abril, da Corregedoria Geral da Justiça de Pernambuco, de nossa autoria (11), que autorizava a dissolução do vínculo conjugal, de forma unilateral, em averbação à margem do assento de casamento, por declaração do cônjuge interessado na dissolução do vínculo.
Ampla doutrina a respeito do novo instituto, subscrita por respeitáveis juristas, sustenta que tal divórcio confere ao interessado um importante papel no pleno exercício de sua liberdade e autodeterminação ao protegê-lo para de forma ágil e eficaz dissolver o casamento onde nele não mais deseja permanecer. Em suma, não deve ser privado, à conta de interesses outros, do seu legitimo direito de se divorciar, sem estorvos ou embaraços. Em efetiva liberdade de escolher os ditames de sua própria vida e que somente a ele(a) pertence.
Bem de ver: O casamento não deve servir de óbice à plenitude de vida da parte (TJ-PR, 12ª. CC, Ap. 0041414-50.2020-8.16. relatora Rosana Girardi Fachin, j. em 24/9/2020).
De efeito, expressa a melhor doutrina:
“reconhecer a validade do ingresso do divórcio impositivo no ordenamento jurídico brasileiro é uma forma de tutelar, em essência, o direito à liberdade afetiva e a autodeterminação de cada indivíduo, tutelando, assim, seus direitos da personalidade, inclusive no que se refere aos aspectos psíquicos da pessoa, haja vista que processos demasiadamente longos e burocráticos. Especialmente quando se versa sobre divórcios litigiosos em que o cônjuge não requerente discorda com a decisão de rompimento do vínculo matrimonial do cônjuge requerente, normalmente produz-se efeitos trágicos no psicológico do cônjuge que só pretende colocar fim a um casamento que não mais deseja manter” (12).
Conclusões. A maior segurança jurídica para as famílias em seus direitos fundamentais e um melhor direito das famílias devem partir da família ressignificada em uma cláusula geral de proteção da dignidade dos que a constituem, individual e institucionalmente. Fora dela, as famílias padecerão de infelicidades forçadas e não vencidas, arrostadas por desconstruções dialéticas.
O XIV Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, do IBDFAM, que acontece de 25 a 27 de outubro de 2023, em BH, sobre o tema “Efetividade dos direitos fundamentais” servirá de aviso e de resposta aos novos desafios.
2023 começa com um novo caminho de esperança aberto para todas as famílias, que resultarão mais visíveis e protegidas. Prontas ao seu melhor futuro.
*Jones Figueirêdo Alves é desembargador emérito do Tribunal de Justiça de Pernambuco, mestre em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), integrante da Academia Brasileira de Direito Civil, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam) e membro fundador do Instituto Brasileiro de Direito Contratual (IBDCont).
Fonte: ConJur
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