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Artigo – A adjudicação compulsória extrajudicial: Novidades trazidas pela lei 14.382/22 e pelo provimento CG 06/23 – Por Rachel Leticia Curcio Ximenes
16 DE MARçO DE 2023
O tema ainda tem fôlego para maiores discussões e aperfeiçoamento, mas inegavelmente já se estabeleceu como uma novidade legislativa imprescindível para garantir o princípio da função social da propriedade e auxiliar na celeridade do processo.
Instrumento jurídico há muito conhecido, a adjudicação compulsória ganha respaldo legal no Código Civil de 2002, em específico em seu artigo 1.418, onde: o promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.
Identificamos que a adjudicar é o ato pelo qual é transferido determinado bem do patrimônio do devedor ao credor. Com isso, a adjudicação compulsória é a ação pertinente ao compromissário comprador, ajuizada em relação ao titular do domínio do imóvel e que tenha, por meio de contrato de compromisso de compra e venda, prometido vendê-lo, mas que se omitiu quanto à escritura definitiva.[1]
Necessário ter ciência de que a ação somente ocorrerá quando houver uma promessa de compra e venda de imóvel e uma das partes impossibilitar, ou até mesmo dificultar, a transferência do bem. Para dar ingresso na ação há a necessidade de que seja parte na negociação do contrato de promessa de compra e venda, quais sejam, os promitentes compradores e vendedores. Ainda, há a possibilidade de ser autor na ação os cessionários, promitentes cessionários e sucessores do promitente comprador. Com isso, urge a adjudicação compulsória como sendo fundamentada numa obrigação contratual entre as partes, fazendo cumprir, por meio de sentença, o registro de propriedade do imóvel. É valido ressaltar que a súmula 239 do Superior Tribunal de Justiça afastou a necessidade de registro prévio da promessa de compra e venda no cartório de registro de imóvel, não estando o direito condicionado ao registro.
Trazemos uma rápida distinção entre adjudicação compulsória e a usucapião. Isso porque, muita das vezes, os institutos podem ser confundidos e gerar confusões. Enquanto, como explicado, a ação da adjudicação tem a finalidade obrigacional de cumprimento do contrato de compra e venda do imóvel, possibilitando a propriedade do imóvel adquirido comprovada a quitação; a usucapião possui a intenção de regularizar a posse mansa e pacífica de um bem, sendo necessário comprovar o tempo de posse do imóvel. A ação é cabível nas situações em que a parte pretende obter o título de posse de imóvel ou móvel, por meio de comprovação de algumas condições, não sendo necessária a existência de contrato de promessa de compra e venda.
Com atuação já conhecida, as serventias extrajudiciais se constituíram junto ao mundo jurídico para auxiliar, extraordinariamente, a sociedade, facilitando o acesso a direitos básicos e cooperando para haver a materialidade e a realização de garantias fundamentais. Nesse sentido, surgiu junto ao mundo jurídico a lei 14.382/22 que dispõe sobre o Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP). A norma veio com a intenção de auxiliar o desenvolvimento do ambiente de negócios no país, via modernização dos registros públicos, trazendo ainda mais desburocratização dos serviços extrajudiciais, reduzindo prazos e facilitando o acesso e consulta a informações registrais.
E foi dentro dessa alteração que nos foi apresentada o instrumento da adjudicação compulsória extrajudicial de imóveis. A novidade, publicada em 27 de junho de 2022, foi inserida no artigo 216-B da lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973, tratando que: “Sem prejuízo da via jurisdicional, a adjudicação compulsória de imóvel objeto de promessa de venda ou de cessão poderá ser efetivada extrajudicialmente no serviço de registro de imóveis da situação do imóvel”.
Em uma primeira leitura do trecho transcrito acima, podemos identificar a faculdade no uso da via extrajudicial, ficando a critério da parte utilizar-se a esfera judicial para tal. Ainda, o procedimento deve ser realizado frente ao cartório de registro de imóveis da situação do imóvel, isto é, onde o imóvel está devidamente registrado e possui um número de matrícula. O parágrafo primeiro do mesmo artigo nos traz quem são os legitimados para requerer o mecanismo extrajudicialmente. São eles: o promitente comprador, seus sucessores ou algum cessionário, bem como o promitente vendedor, devendo ser representados por advogados. Semelhante à usucapião extrajudicial, faz-se necessário que o requerimento deva ser subscrito por um advogado e deva abarcar informações cruciais que possibilitem o registrador de analisar o caso, identificando suas particularidades e reconhecer qual foi o motivo que impossibilitou a lavratura do título definitivo pelas partes.
Seguindo o texto de lei, nos é apresentado requisitos mínimos para a apresentação do requerimento, dos quais destacamos: (a) o instrumento de promessa de compra e venda quitada e preferencialmente com firma reconhecida, em que não haja pactuado arrependimento; (b) ata notarial; (c) certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação; (d) comprovante de pagamento do respectivo Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI); (e) procuração com poderes específicos, dentre outros. Nesse ponto, vale a orientação de estar atento à validade e regularidade de todos os documentos solicitados para, só então, realizar o recolhimento do ITBI.
Ressaltamos nesse ponto a exigência da ata notarial como requisito para o ingresso do requerimento para a adjudicação compulsória extrajudicial. Vale trazer que a “ata notarial perpetua no tempo, com caráter probatório revestido de fé pública, os atos ou fatos descritos pelo notário”.[2] Disposto no inciso III do §1º do artigo 216-B, o instrumento havia sido vetado pelo Poder Executivo quando da sanção da norma, mas teve seu veto derrubado em 5 de janeiro de 2023 pelo Congresso Nacional. A ata vem, nesse sentido, no intuito de trazer ainda mais segurança e celeridade ao processo, visto ser uma prova pré-constituída que identificará o imóvel, o nome das partes interessadas, a comprovação do pagamento e, sobretudo, o reconhecimento do descumprimento da obrigação de conceder ou receber o título de propriedade do imóvel.
Essa disposição foi reafirmada pelo Provimento CG 06/23 do Estado de São Paulo, que insere nova seção ao capítulo XX do Tomo II das Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça que trata sobre o processo extrajudicial de adjudicação compulsória. Traz o provimento uma atualização das normas da Corregedoria para estarem compatíveis com a norma federal de Registros Públicos.
O Provimento, ao tratar sobre o tema, reafirma a necessidade de o requerimento ser instruindo por ata notarial, e nos trouxe algumas atualizações, como a disposição de que, caso a adjudicação compulsória abranja mais de um imóvel, ainda que de titularidades diversas, poderá o processo ser desenvolvido a partir de uma única petição, caso as áreas sejam contíguas. Caso o requerido seja casado, ou haja notícia de que se vive em união estável, deverá o relativo cônjuge ou companheiro ser notificado do ato.
O ponto 463 do presente Provimento, é direto quanto a assistência de um advogado para o procedimento e que, nos casos em que a notificação pessoal não obter sucesso e, estando o requerido em lugar incerto ou inacessível, o oficial de registro de imóvel possui a prerrogativa de certificar o ocorrido e promover a notificação por edital, que será publicado por duas vezes em jornal de grande circulação pelo prazo de 15 dias, cada um, caso em que o silêncio do requerido será tido como concordância. Nos casos de falecimento do requerido, a notificação poderá ser feita a seus herdeiros, desde que haja certeza quanto a suas identidades.
Muito embora não tenha o que se falar em consenso na adjudicação compulsória, isso porque sua natureza encontra respaldo diretamente frente a recusa de transferência do domínio ou impedimento para a consecução da escritura, o ponto 469 do Provimento nos traz que, caso haja impugnação, o oficial de registro de imóveis poderá oportunizar a conciliação ou mediação do caso. Finaliza o Provimento nos elucidando que estando a documentação em ordem e não havendo nenhuma impugnação, o oficial de registro de imóvel emitirá nota fundamentada de deferimento e procederá com o registro da adjudicação compulsória.
Sem a intenção de esgotar o tema e deixando espaço para futuros debates, tentamos, de forma resumida, trazer as novas percepções dada ao instituto da Adjudicação Compulsória, agora, na seara extrajudicial. O procedimento, anteriormente realizado somente pela via judicial, vem ao encontro do movimento de desburocratização e facilitação de acesso e, com o auxílio do extrajudicial, auxilia na materialização de direitos. O tema ainda tem fôlego para maiores discussões e aperfeiçoamento, mas inegavelmente já se estabeleceu como uma novidade legislativa imprescindível para garantir o princípio da função social da propriedade e auxiliar na celeridade do processo.
______________
[1] CREDIE, Ricardo Arcoverde. Adjudicação Compulsória. 8ª ed. São Paulo: Malheiros. P. 34.
[2] BRANDELLI, Leonardo. Teoria geral do direito notarial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 54.
Rachel Leticia Curcio Ximenes é sócia do CM Advogados, mestra e doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, especialista em Direito Notarial e Registral pela Escola Paulista da Magistratura (EPM) e em Proteção de Dados e Privacidade pelo Insper, e presidente da Comissão de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB-SP.
Fonte: Migalhas
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