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Pacto simbólico na ‘Las Vegas da Venezuela’, o mais próximo de um casamento igualitário
10 DE MARçO DE 2022
El Tigre, Venezuela, 9 Mar 2022 (AFP) – Amelia e Jemmily se beijam e se abraçam, emocionadas porque acabam de assinar um “pacto simbólico de convivência”, o mais parecido com um casamento igualitário na Venezuela, um país conservador que ainda não legislou sobre o tema.
As duas viajaram de Caracas para El Tigre, depauperado povoado petroleiro no estado de Anzoátegui (leste), que o prefeito quer transformar na “Las Vegas da Venezuela”, oferecendo pacotes turísticos para a comunidade LGBTI. Um deles é este “acordo” de vontades sem validade legal.
“Este é um avanço pessoal, mas também é dar impulso para que não fique assim, cru, que amadureça”, reflete Jemmily Hudson, que aos 12 anos foi expulsa de casa após contar aos pais que era lésbica. “Tudo está engavetado, não avançamos”, conta, a respeito dos projetos para legalizar as uniões entre pessoas do mesmo sexo no país.
Jemmily, de 37 anos, sonhou durante anos em se casar com Amelia Morales, dez anos mais velha. As duas pensaram em viajar para a Colômbia, onde o casamento igualitário é legal, mas nunca concretizaram o plano por falta de dinheiro.
O “pacto” cita artigos da Constituição Venezuelana contra a discriminação e a favor da liberdade de expressão e estabelece que as partes concordam em “viver em coabitação, permanência e singularidade” e que “os bens adquiridos a partir de então serão considerados bens comuns”.
Amelia e Jemmily sentem que este ato dá visibilidade a uma causa pendente. Sua felicidade é tal que elas se aproximam para apertar as mãos da centena de pessoas que as incentivam na rua.
“É uma forma de dizer aos casais de mulheres que estão na mesma situação que não se rendam”, dizem, sorridentes, à AFP, após uma viagem de mais de 400 km por terra.
O ato, no qual vários casais consumaram o “pacto simbólico”, foi celebrado em uma casa noturna. As presentes vestiram roupas elegantes, trocaram alianças e na comemoração agitaram bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBTI.
– Pacotes de 400 a 800 dólares -A Venezuela está no fim da fila da América Latina no que diz respeito aos direitos da população LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais), que não podem se casar, adotar ou tomar decisões médicas sobre um companheiro ou uma companheira.
Embora a Constituição venezuelana de 1999 estabeleça que o Estado “protege” o casamento “entre um homem e uma mulher”, o Tribunal Supremo sentenciou em 2008 que isso “não proíbe, nem condena as uniões de fato entre pessoas do mesmo sexo”. E em 2016 determinou que as famílias homoparentais devem ter “proteção”.
Mas a Assembleia Nacional não legislou sobre o tema.
El Tigre entrou no radar da comunidade LGBTI depois que seu prefeito, Ernesto Paraqueima, anunciou em fevereiro um decreto para ordenar “celebrar e registrar os casamentos sem discriminação fundamentada” em “orientação sexual, identidade de gênero, expressão de gênero”, segundo um esboço do texto.
Mas o decreto ainda não foi promulgado e a proposta foi diluída em uma oferta de pacotes turísticos de 400 a 800 dólares para gerar receita aos cofres desta cidade que por décadas viveu da bonança petroleira.
Os planos incluem hospedagem, bilhetes e a festa de casamento, com o que o político opositor, de 49 anos, quer transformar El Tigre na “Las Vegas da Venezuela”, em alusão à cidade que mais celebra casamentos nos Estados Unidos.
Mas a “briga” para legalizar o casamento igualitário fica por conta do movimento LGBTI, observa, tomando uma distância que lhe rendeu críticas de fomentar um “show” e se aproveitar dos casais do mesmo sexo que querem oficializar a união.
“Isso vai ser uma arma muito poderosa do ponto de vista político”, defende-se. “Ninguém fez isto no país, fomos ousados”.
– Casamento “de mentira” -Contrários às ideias do prefeito, mais de mil membros de cerca de 50 igrejas evangélicas e católicas de El Tigre protestaram contra o que consideram uma proposta “anticristã” e “contrária ao Direito”.
“Não temos dúvidas de que, ao cobrar das pessoas do mesmo sexo por esse suposto pacto civil (…) por casá-las de mentira, o faz de forma fraudulenta e terá que encarar os órgãos de justiça venezuelana”, diz à AFP o advogado Miguel Cabello, assessor jurídico da unidade ministerial Cristã de El Tigre.
Mas Paraqueima assegura que, por ser um ato simbólico, “não se está violando a legalidade”.
Da união “não participa o Estado, é um contrato privado, não participa o registro (civil), o cartório, eu não participo, o governo municipal não participa, não participamos, nós organizamos o que tem a ver com o evento”, esclarece o prefeito, que de fato não assistiu à alardeada cerimônia.
Amelia e Jemmily – cada uma com três filhos de relacionamentos anteriores – planejam agora uma festa em Caracas com sua família, que a princípio se opôs ao seu relacionamento, mas agora, o celebra.
Fonte: Portal UOL
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