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Artigo: Brasil e Japão – Alguns apontamentos sobre o reconhecimento dos direitos das pessoas transgêneros – Por Tereza Rodrigues Vieira
31 DE AGOSTO DE 2022
No Brasil, a mais recente norma regulamentadora da matéria na área da saúde é a resolução 2.265/19, do Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual considera identidade de gênero o reconhecimento de cada pessoa sobre seu próprio gênero.
O Japão é um país tão avançado tecnologicamente que se custa a acreditar que seja ainda retrógrado em matéria de reconhecimento de direitos das minorias sexuais. O Brasil está um pouco mais adiantado, pelo menos neste quesito, embora ainda sustentemos a marca do país que mais mata pessoas trans no mundo e ainda não temos leis explícitas reforçando o que se conquistou no Judiciário.
Recentemente, um Tribunal do Japão não reconheceu mulher transexual como mãe de criança nascida depois da transição. Referido tribunal japonês decidiu em 19 de agosto de 2022, que somente a criança nascida antes de uma mulher transexual submeter-se a transição cirúrgica e legal pode ser reconhecida legalmente como seu filho, enquanto a criança nascida após sua transição não pode sê-lo. (UNIVERSA/REUTERS, 2022)
No Brasil, dia após dia surgem casos de reconhecimento de pais e mães trans. Com a chegada da Constituição Federal de 1988, o planejamento familiar foi garantido como direito fundamental de todo brasileiro, independentemente da sexualidade ou gênero. O mencionado direito concede a todos o direito de construir uma família, pelo método natural ou pelos métodos de reprodução assistida. A Carta Magna, em seu artigo 226, em seus §§ 4º e 7º, instituiu um novo princípio constitucional fundamental, o da igualdade substancial diante da pluralidade de entidades familiares, cônjuges e filho:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. […] §7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Desse modo, por ser um direito fundamental constitucionalmente garantido, a liberdade para escolher como deseja constituir sua família é intrínseca a qualquer brasileiro(a). Assim, o conceito de família passou a ser o de toda formação social que envolva condições próprias ao livre e completo desenvolvimento das pessoas que a compõem, fundamentada no afeto. (SILVEIRA; MARCHETTO, 2019)
No Japão, as pessoas trans que desejam legalmente adequar seu gênero, devem se submeter à cirurgia para a remoção dos órgãos sexuais de nascimento, uma praxis muito repreendida por setores alinhados aos direitos humanos. No Brasil, desde março de 2018, o Supremo Tribunal Federal autoriza as pessoas transgêneros, maiores e capazes, a se dirigirem diretamente ao Cartório do Registro Civil e solicitar pessoalmente a mudança do prenome e do gênero, independentemente de autorização judicial, da realização de cirurgias, tratamentos hormonais ou pareceres médicos e psicológicos. Após isso, a pessoa pode solicitar a mudança dos demais documentos.
A NHK e a agência de notícias Kyodo anunciaram que uma mulher trans, que recebeu o gênero masculino no nascimento, teve duas filhas com sua parceira utilizando esperma criopreservado antes de sua transição. Anteriormente, ela já havia alterado o nome e o gênero legalmente no registro de nascimento. Sua parceira, por ter dado à luz, foi reconhecida como a mãe legal das meninas. O pedido da mulher trans para ser reconhecida como mãe foi rejeitado por um tribunal de Tóquio, segundo o qual “atualmente não há nada na lei japonesa que reconheça seus direitos parentais”. (UNIVERSA/REUTERS, 2022) A mulher recorreu e, no dia 19 de agosto de 2022, a Corte Suprema de Tóquio deliberou que ela poderia ser distinguida como mãe da filha nascida antes de sua adequação legal de gênero, mas não da segunda, nascida posteriormente.
A partir de 2004, a lei japonesa vem admitindo a adequação do gênero legalmente registrado e se casar.
Em 2014, o Tribunal de Osaka, pela primeira vez, conferiu a adoção à mãe transexual que havia se sujeitado à cirurgia. A Corte Suprema japonesa também conferiu a paternidade legal a um homem trans, que tinha realizado cirurgia, do filho de sua esposa, nascido depois desta se submeter à reprodução assistida por fecundação in vitro, com esperma doado por um terceiro. (TRIBUNAL, 2014)
O governo japonês insiste em forçar as pessoas transgênero a serem esterilizadas cirurgicamente para obter o reconhecimento legal de sua identidade de gênero, segundo informa um relatório da Human Rights Watch. (JAPON, 2019) Referida exigência que condiciona uma intervenção médica para a obtenção do reconhecimento da identidade de gênero transgride os direitos humanos, sobretudo pelo fato da transexualidade não ser mais considerada como doença pelo CID-11, Classificação Internacional de Doenças. Na CID-10 era considerada um transtorno mental. Agora passou a ser considerado um problema relacionado à saúde sexual denominado “incongruência de gênero”. A pessoa trans não é obrigada a procurar hospitais, porém, se necessitar, este deverá acolhê-la.
No Brasil, a mais recente norma regulamentadora da matéria na área da saúde é a resolução 2.265/19, do Conselho Federal de Medicina (CFM), a qual considera identidade de gênero o reconhecimento de cada pessoa sobre seu próprio gênero. Ademais, hoje o CFM, inclusive, admite a reprodução assistida para pessoas transgêneros e homoafetivas.
Após superada esta questão da obrigação de esterilização, o Japão certamente discutirá também os problemas que os demais países enfrentam faz alguns anos, tais como, participação nos esportes de alta performance, ingresso e permanência nas Forças Armadas, direito ao esquecimento dos dados anteriores à adequação do nome e gênero, mudança de nome e/ou gênero de crianças e adolescentes e também a interrupção da puberdade dos adolescentes transgêneros etc. Além disso, no Japão o casamento homoafetivo não é reconhecido.
*Tereza Rodrigues Vieira é pós-doutora em Direito pela Université de Montreal. É mestre e doutora em Direito pela PUC-SP. Especialista em Bioética pela Faculdade de Medicina da USP. Docente do mestrado em Direito Processual e na graduação em Medicina e Direito.
Fonte: Migalhas
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