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Artigo – Blockchain e sua aplicabilidade no universo jurídico
22 DE DEZEMBRO DE 2022
É possível concluir que a blockchain, inicialmente utilizada para a efetivação de operações financeiras virtuais, tem se difundido no cenário nacional com uma maior amplitude, revelando utilidade para várias outras funcionalidades, inclusive no âmbito jurídico.
Nosso momento histórico é notadamente marcado pelas profundas mudanças causadas pela inserção da tecnologia no cotidiano social, ainda mais após a pandemia do COVID-19, que acelerou o ritmo das transformações, tornando nossa vida mais dependente dos meios tecnológicos.
Não há uma área do conhecimento sequer que não tenha sido modificada, de alguma forma, no mundo digital. A isto se denomina “Indústria 4.0” ou “Quarta Revolução Industrial”. O Direito não é uma exceção a esta regra, pois o fundamento de sua existência está intrinsicamente relacionado ao arranjo social.
Neste contexto, é evidente que o desenvolvimento de novas tecnologias implicaria, invariavelmente, em alterações substanciais no meio forense. Estas mudanças, nas palavras de José Miguel Garcia Medina e Lucas Pagani, devem ter duas diretrizes convergentes: a segurança jurídica e a efetividade da tutela jurisdicional.[1]
Isto posto, dentre as diversas inovações tecnológicas, uma que se apresenta de forma recente e disruptiva é a blockchain, que, inicialmente, foi utilizada para o desenvolvimento de operações financeiras e, atualmente, possui uma abrangência maior. Esta tecnologia está intimamente relacionada com o surgimento das criptomoedas, tendo em vista que as transações de valores realizadas têm sua operacionalização registradas em blockchain.
No contexto apresentado, a compreensão das características e as funcionalidades desta tecnologia é fundamental. A blockchain é um banco de dados descentralizado e criptografado que pode ser acessado por meio da internet.[2] Em tradução livre, seu significado é uma “cadeia de blocos”, ou seja, são blocos de dados registrados em cadeia e armazenados num local específico com acesso limitado para quem possui o respectivo código.
O procedimento da blockchain se caracteriza pela descentralização, consentimento e imutabilidade, haja vista que é constituído por uma rede colaborativa formada por diversos computadores que anuem com os termos ali contidos, sem a presença de intermediários e, ainda, impossibilitando eventuais modificações após o fechamento do bloco.
A blockchain é capaz de produzir maior confiabilidade e previsibilidade para os negócios jurídicos, tanto na esfera do Direito Privado quanto do Direito Público, podendo-se citar, a título de exemplo, a execução de smart contracts, a certificação de provas ou até mesmo a utilização do mecanismo por cartórios notariais para substituir documentos físicos.
No que se refere aos smart contracts – “contratos inteligentes” -, estes são executados de forma automática, sem que haja necessidade da intervenção humana após sua elaboração, sendo a parte de validação e armazenamento realizada por meio da blockchain. A sua utilização elimina a necessidade de intermediação das operações, o que gera maior segurança e celeridade para os negócios, além de diminuir os custos envolvidos.
Diante das funcionalidades acima descritas, a utilização da tecnologia blockchain pode ser uma importante ferramenta aliada à produção de provas. A esse respeito, conforme a inteligência do artigo 369 do Código de Processo Civil, faculta-se às partes a produção de provas por quaisquer meios legais e moralmente legítimos, ainda que não estejam especificados na legislação processual. Com efeito, dispõe o artigo 440 do mesmo diploma legal que cabe ao juiz apreciar as provas produzidas em meio eletrônico. Compreende-se da interpretação do texto de lei pela inexistência de disposição expressa que inviabilize a utilização da blockchain.
No que se refere à jurisprudência, pode-se extrair do julgado do Agravo de Instrumento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (autos 2237253-77.2018.8.26.0000), um exemplo de participação da tecnologia blockchain em processos judiciais.[3]
Na lide em comento, o Agravante requereu tutela antecipada para que fossem retiradas informações das redes sociais que seriam inverídicas e estariam prejudicando sua imagem, tendo providenciado a certificação do conteúdo via blockchain para comprovar a existência fidedigna das publicações feitas pelo Agravado.
O pedido foi julgado improcedente, tendo a Exma. Desembargadora Relatora Fernanda Gomes Camacho entendido que tal requerimento era uma afronta à liberdade de expressão do indivíduo e caracterizaria censura. Um dos fundamentos usados na decisão para indeferir a pretensão de abstenção de comunicação de terceiros foi o fato de o próprio Agravante já ter providenciado a conservação do conteúdo através de plataforma blockchain.
Já existem empresas que fornecem serviços de autenticação de contratos digitais e certificação de documentos digitais via blockchain, emitindo o respectivo certificado de que os dados foram inseridos com a conservação de sua integridade, bem como de que são passíveis de verificação posterior.
Somadas às aplicabilidades anteriormente descritas, é possível constatar a utilização da tecnologia na seara notarial[4], como se verifica na parceria formalizada entre o Cartório Azevedo Bastos e uma empresa startup que fornece serviços de autenticação digital, realizando registros de nascimento armazenados em blockchain.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Provimento 100/20, permitiu a geração de atos extrajudiciais via sistema E-notariado, como uma forma alternativa que se mostrou oportuna durante o enfrentamento da pandemia do COVID-19. O Brasil é o primeiro país da América Latina a viabilizar este procedimento, que, segundo a presidente do Colégio Notarial do Brasil, Giselle Oliveira de Barros, permite ao usuário agregar segurança jurídica ao manuseio de documentos eletrônicos.[5]
A aplicabilidade da ferramenta no sistema notarial foi possível pela congruência entre os princípios que norteiam a função notarial no Brasil e a blockchain, já que a lei de Registros Públicos – lei 6.015/73 e a lei dos Cartórios – lei 8.935/94 adotam como fundamentos a publicidade, a autenticidade, a segurança e a eficácia, todos alinhados com as características desta tecnologia que presta confiabilidade e previsibilidade.
Ante todo o exposto, é possível concluir que a blockchain, inicialmente utilizada para a efetivação de operações financeiras virtuais, tem se difundido no cenário nacional com uma maior amplitude, revelando utilidade para várias outras funcionalidades, inclusive no âmbito jurídico.
Além de garantir a autenticidade e integridade de elementos probatórios obtidos em plataformas virtuais, ampliou significativamente o direito constitucional de acesso à prova para as partes envolvidas. Tal instrumento elimina a presença de intermediários e aumenta a segurança dos negócios jurídicos. Estes fatores contribuem para a redução do custo envolvido bem como tendem a trazer uma maior celeridade operacional, o que otimiza algo de muita relevância na sociedade contemporânea: o tempo.
Por Bruno Andrioli
Fonte: Migalhas
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